UIL

A Casa de Maria: Prefácio

PREFÁCIO

A casa sobre a Colina dos Rouxinóis

«E junto à cruz de Jesus estava sua mãe, e a irmã de sua mãe, Maria de Clopas, e Maria Madalena. Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse à sua mãe: “Mulher, eis aí o teu filho!”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua mãe!”. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa.» (João 19, 25-27).

Desse modo, o apóstolo e evangelista João relata a presença de Maria junto à cruz de Jesus. Após, os Atos dos Apóstolos recordam a presença de Maria no momento da Pentecoste: «Todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos.» (Atos 1, 14). Depois disso, à parte algum vago aceno, dela não se tem mais notícias precisas no Novo Testamento.

Afortunadamente, porém, Maria não desvanece da memória dos cristãos. Segundo a tradição, nos anos sucessivos à lapidação de Estevão, em 37 d.C., quando se agrava, em Jerusalém, a perseguição aos discípulos de Cristo, João conduz consigo Maria a Efeso, sobre as costas da atual Turquia, banhada pelo Mar Egeu. Éfeso, além de uma das maiores cidades do Império romano, era também a capital da província da Ásia e se transformaria - segundo as palavras do historiador francês Ernest Renan (1823-1892) - na “segunda província de Deus”. Efetivamente, ela foi uma das bases do lançamento do cristianismo: é ali que Paulo prega por três anos e escreve as suas cartas aos Coríntios; ali João escreve o seu Evangelho. E ali, depois da morte de João, sobre a sua tumba, foi construído um memorial e, posteriormente, uma grande basílica.

Mas, afinal, o que aconteceu a Maria? Como era de se esperar, João e as outras pessoas responsáveis pela sua vida não estavam interessadas em atrair a atenção para a presença dela em Éfeso, cidade dominada pelo imponente templo de Ártemis, dedicado ao culto da “Deusa Mãe”. Além disso, era dever deles, e não dela, desafiar o paganismo do mundo greco-romano e difundir a “boa nova” do Cristo. 

O papel de Maria era, simplesmente, manter-se longe da ostentação, pelo seu bem e o de todos. Lamentavelmente para os historiadores, no decorrer de séculos, Maria foi muito bem sucedida!

Todavia, ela não desaparece do pensamento da crescente comunidade cristã de Efeso, cuja memória manteve viva a lembrança do tempo em meio a ela transcorrido.

Não surpreende, portanto, que tenha sido construída em Éfeso, no século IV, a primeira igreja da cristandade, dedicada à Virgem Maria. Vale recordar que, neste período da história, uma igreja somente poderia ser erigida a um santo se ele tivesse vivido naquele lugar ou se ali tivesse sofrido o martírio. E não é apenas uma pura coincidência o fato de o III Concílio Ecumênico, em 431 d.C, convocado para proclamar Maria Mãe de Deus, ter sido realizado, precisamente, na igreja, em Éfeso, dedicada à Virgem Maria. 

Contudo, somente no século XIX são feitas tentativas visando descobrir como e onde, exatamente, Maria havia vivido; em outras palavras, ligar a Maria celeste, Rainha do céu, à Maria terrena, anciã senhora “adorada”, cujos últimos anos de vida foram passados longe do tumulto despertado pela difusão daquela religião que a tinha “exaltada sobre todas as mulheres”. 

O homem que, pela primeira vez, buscou a localização da última casa habitada por Maria foi um sacerdote parisiense, Don Julien Gouyet. Chegara-lhe às mãos um livro contando, detalhadamente, as visões de uma freira alemã, doente e portadora de estigmas, morta meio século antes. Naquelas visões, a religiosa descrevia, com abundantes detalhes, a casa na qual Maria havia vivido seus derradeiros anos e indicava, ainda, a sua localização. Dom Gouyet ficou tão fascinado pelo livro que, em 1881, seguindo as indicações da freira, transferiu-se a Efeso, determinado a encontrar a remota construção. Achou-a, logo ao sul da cidade, sobre o cume da Bülbül Daği - a “Colina dos Rouxinóis”. Ou, pelo menos, pensou tê-la encontrado. Pois, bastou comunicar a descoberta aos seus superiores em Paris e em Roma para, rapidamente, descer sobre o tema um véu de silêncio. Ninguém tomou como sérias as suas afirmações. Foram necessários dez anos até, em 1891, ter início uma série de expedições ao local, reunindo testemunhas suficientes, capazes de convencer as autoridades eclesiásticas de que aquelas não eram velhas ruínas quaisquer; e depois, ainda, outros tantos anos de escavações e pesquisas para os estudiosos aceitarem a possibilidade de ter sido a casa sobre a Colina dos Rouxinóis, de fato, aquela onde Maria havia residido.

A este ponto, devo confessar não ter sido diferente, da dos eclesiásticos, a minha primeira reação à “versão pia” sobre as origens da casa. Mesmo após diversas visitas ao local, eu continuava, decididamente, cético. Sobretudo, parecia-me pouco provável que um velho edifício de pedra - por mais retirado, pequeno e privado de atrações - pudesse passar despercebido, durante mil e oitocentos anos. Além disso, a chance de acreditar era sempre colocada à prova pelo fato de a casa ter sido “vista”, pela primeira vez, por uma freira adoentada que jamais deixara a Alemanha, cujas visões teriam levado à sua descoberta: um procedimento de fato estranho!... Enfim, se o achado era mesmo um evento especial, por que razão não havia sobre a casa, nem sobre o lugar em si, alguma referência, nem ao menos um livro, em qualquer livraria das cidades vizinhas?

De outra parte, é necessário reconhecer que mesmo a lendária Tróia conseguiu permanecer oculta ao longo de três mil anos, enquanto Éfeso, cidade outrora resplandecente de mármore, esteve fora de vista por apenas cinco séculos. Ainda: a descoberta de Tróia, em 1873, por Heinrich Schliemann, somente aconteceu graças à determinação obstinada do arqueólogo, em seguir os indícios presentes na Ilíada, seguramente, não a mais confiável obra historiográfica. Éfeso, por sua vez, teria sido mantida sepulta para sempre se um engenheiro inglês, John Turtle Wood, arqueólogo diletante, não houvesse acompanhado a descrição de uma procissão, identificada sobre um fragmento de pedra. Então, talvez, não se devesse correr o risco de julgar a autenticidade de uma descoberta por intermédio do modo pelo qual ela tivesse sido feita. 

Mas, mesmo assim, permanecia sem resposta a indagação sobre o motivo de, pelo visto, não existir sequer um livro a respeito do assunto. Existiam as freqüentes brochuras e livretos turísticos que, entre si, se repetiam ou se contradiziam, em um inglês extraordinariamente excêntrico; contudo, inexistia uma história confiável sobre o que, efetivamente, ocorrera naquela zona montanhosa, há cerca de um século, ou mesmo sobre os fatos em questão, ali vividos, vinte séculos atrás.   Com a curiosidade alimentada pela frustração, voltei-me à Internet, às agências especializadas na pesquisa editorial e aos melhores antiquários de livros. No princípio, os resultados foram decepcionantes, mais tarde, um pouco por acaso, começaram a surgir pequenas informações - algumas em inglês, porém mais freqüentemente em francês, alemão e turco -, comparáveis àqueles fragmentos de vidro em formas e cores diversas, que, espero – e, afinal, começo a acreditar! –, possam formar uma janela de vidro colorido, se recompostos convenientemente.  

Todavia, pode-se crer à minha reconstrução? Sim, porque sustento que os fatos históricos foram aqui reunidos com escrupuloso respeito e atenção, e em nenhum momento a história foi reelaborada para acomodá-la às exigências religiosas. Entanto, é necessário, realisticamente, admitir que a estada de Maria na Colina dos Rouxinóis, por mais sugestiva e comovente, continua sendo um vestígio, uma possibilidade, ao máximo uma probabilidade e, assim, talvez, permaneça para sempre - de certo modo, não diferente de outras afirmações baseadas em crenças e em persistentes tradições religiosas, indemonstráveis historicamente.

Porém, acreditar que sobre a Colina dos Rouxinóis tenha sido descoberta, de verdade, a casa de Maria, a mim, sinceramente, parece ser o quanto de menos difícil – e improvável – exista no mundo!

[continua...]

2 - A Casa de Maria: A cidade de Éfeso no tempo de Maria e João

Donald Carrol, A CASA DE MARIA. Uma história maravilhosa: Como foi descoberta em Efeso a casa da Virgem Maria.

Tradução do italiano
Cláudia Rejane Turelli do Carmo

La Casa di Maria - Una storia meravigliosa: come fu scoperta a Efeso l'abitazione della Vergine Maria

Edição italiana
Edizioni San Paolo s.r.l, 2008
www.edizionisanpaolo.it 

Tradução do inglês
Paolo Pellizzari
ISBN 978-88-215-6227-3

Título original da obra:
MARY’S HOUSE. The straordinary story behind the Discovery of the house where the Virgen Mary lived and died.
Primeira publicação na Grã-Bretanha por Veritas Book, em 2000.