UIL

Renata Bueno: Cidadania italiana, voto no exterior e eleições 2018

Renata Eitelwein Bueno, deputada ítalo-brasileira, primeira mulher nascida no Brasil a ocupar uma cadeira no Parlamento italiano pela Circunscrição do Exterior América Meridional, eleita em 2013 pelo partido Unione Sudamericana Emigrati Italiani (USEI), fala sobre temas de interesse dos cidadãos italianos, tais como cidadania italiana, voto dos italianos no exterior, as relações entre o Brasil e a Itália e a sua possível candidatura em 2018. 

Confira, a seguir, a íntegra da entrevista concedida pela deputada Renata Bueno à revista digital Oriundi.

Redação Oriundi - Em sua avaliação, de 2013 para cá, houve o fortalecimento da rede consular e melhorias no atendimento prestado aos italianos e ítalo-descendentes no Brasil? O que mudou nesses últimos quatro anos?

Renata Bueno - O que nós vimos nos últimos anos, foi um aumento muito grande do número de cidadãos italianos, não só daqueles que conseguem reconhecer a cidadania pelo Brasil, mas também daqueles que fazem o processo de reconhecimento da cidadania na Itália e depois a registram nos consulados brasileiros. 

Então, isso causa um aumento não só do número de inscritos, mas também, obviamente, dos serviços a serem prestados. Concomitantemente, com a crise dos últimos anos, a Itália também acabou cortando o fundo destinado ao consulado, diminuindo o número de pessoal e tendo como consequência um maior número de serviços pela Internet, os quais não têm funcionado bem; inclusive essa é uma das nossas grandes batalhas, nas quais brigamos pelo agendamento online, um serviço que tem funcionado pouco, com pouca segurança, porque as pessoas acabam não conseguindo um espaço nessa agenda online justamente porque ela vem comprometida com consultores e com despachantes, que ocupam essas vagas para depois revender; esta é uma realidade muito clara para mim, e nós temos combatido isso diariamente junto com Roma e eles têm tentado melhorar este sistema de segurança, porque esta gestão vem do Ministério das Relações Exteriores. 

E por outro lado o que nós também tentamos melhorar - e isso foi um trabalho nosso direto, para o Brasil -, foi intervir em alguns fatores que dependiam do trabalho parlamentar, foi conseguirmos colocar em vigor a ratificação do acordo do Pacto de Haia, o acordo que traz a convenção das apostilas, um acordo que o Brasil já havia assinado há muitos anos, mais de 50 anos atrás, mas que não tinha sido ratificado até hoje. 

Este foi um grande esforço que eu fiz, desde o meu primeiro dia de mandato, visitando os Ministérios competentes no Brasil, fazendo com que isso tramitasse no Congresso Nacional no Brasil para que então o Brasil pudesse, junto com outros 111 países, principalmente com a Itália, que é o nosso interesse, ter o reconhecimento muito mais facilitado dos documentos civis, ou seja, não só para os documentos relativos à cidadania italiana - certidões de nascimento, e demais certidões que são emitidas pelo Brasil, que têm um reconhecimento facilitado junto ao governo italiano, uma vez que esses documentos forem registrados junto à convenção das apostilas, que é uma espécie de reconhecimento internacional de firma -, mas também para estudantes que venham estudar no Brasil, para empresas que tenham que legalizar toda sua documentação. Essa foi uma facilitação principalmente para o consulado, porque diminuiu em mais de 50% a burocracia para cada um dos processos dentro dos consulados. Então, temos tentado, de uma forma legítima, melhorar os serviços através de facilitações e modernizações de procedimentos burocráticos.

Redação Oriundi - Quais são os futuros desafios, no que tange às relações econômicas e culturais entre o Brasil e a Itália? Quais as principais demandas a serem atendidas em médio prazo, em sua opinião?

Renata Bueno - Os desafios econômicos eu acredito que dependam muito mais de uma melhora na economia dos países. A Itália superou uma crise, hoje está estabilizada e começa a retomar a sua atividade econômica, porém agora é a vez do Brasil, que passa por uma estagnação, em que muitos investidores italianos, por exemplo, não querem investir no Brasil neste momento, ou aqueles que são já empresários no Brasil estão tendo dificuldades junto às suas empresas. Isso é claro que acaba bloqueando, paralisando bastante essa relação econômica entre o Brasil e a Itália. 

Apesar de que há sempre muitos projetos, grandes projetos, inclusive de cooperação técnica, como é o caso da Itália, que presta serviços para o Ministério da Defesa no Brasil, nós estamos retomando alguns acordos técnicos com relação ao melhoramento das frotas aéreas, navais no Brasil, prestando estes serviços da parte estrutural de maquinários da Itália, através da Fincantieri e da Finmeccanica. São acordos já bastante antigos, mas que temos tentado reativar, para que tenhamos um desenvolvimento bom desta relação econômica entre o Brasil e a Itália. 

A relação cultural também vem muito dependente da relação econômica porque a Itália cortou muitos fundos de investimento na cultura, e isto é generalizado, tanto para a Itália quanto para o exterior, anteriormente havia muitos projetos, financiados principalmente pelas regiões, pelos estados italianos aqui no Brasil, através das associações, círculos e tudo mais. Hoje diminuiu muito o financiamento para esse tipo de projeto. 

O que nós fizemos, foi trabalhar uma espécie de internacionalização da Lei Rouanet brasileira, nós a levamos para a Itália, justamente para que o país pudesse buscar financiamentos privados para investir em seus projetos culturais. Dentro da Itália isso já está acontecendo muito bem, inclusive a reforma do Coliseu foi feita através desta nova lei, que é o Artigo Número 1 do Decreto Cultura, que nós fizemos há três anos e através da nossa discussão agora com o ministro Franceschini é justamente para que este benefício que foi uma lei onde eu trabalhei muito nesta ponte entre Brasil e Itália é para que possamos trazer também para financiar projetos de atividades culturais italianas no exterior, esta é agora a nossa grande luta. 

Já conversei pessoalmente com o Ministro sobre isso e eles têm trabalhado bastante neste sentido, para que empresas italianas possam investir, financiar projetos culturais de atividades no exterior. Isso é uma consequência obviamente da economia. Indo bem, a cultura também vai bem.

Redação Oriundi - A prerrogativa do voto dos italianos no exterior está assegurada para 2018? A extinção da Circunscrição Eleitoral do Exterior corre o risco de acontecer? Este debate está sendo realizado em alguma instância da política italiana? Como a senhora se posiciona a este respeito?

Renata Bueno - Sobre o voto no exterior, não existe hoje nenhuma discussão em reformar isto ou em acabar com o voto no exterior, pelo contrário. A minha opinião é que esse voto de representantes dos italianos no exterior é um trabalho pioneiro da Itália que está muito à frente dos demais países, justamente porque existem muitos cidadãos italianos espalhados pelo mundo, e isto dá, democraticamente, a possibilidade de que essas pessoas sejam representadas no coração do seu país, o Parlamento, participando dia-a-dia das discussões e das decisões do seu País. 

Eu acho que isso tem um grandíssimo valor para os cidadãos no exterior e não vejo nenhuma possibilidade da Itália retirar esta realidade. É claro que às vezes alguns pequenos políticos levantam este debate, que, porém, nunca foi levado adiante, nunca foi reconhecido pelo governo italiano. Inclusive a reforma eleitoral está acontecendo neste momento na Itália, vai ser votada esta semana, e trata somente da forma de votar dentro da Itália, porque no exterior há uma lei a parte e esta lei será mantida para as próximas eleições. Aliás, pode ser que sejam antecipadas, é muito provavelmente para o final de setembro ou para outubro, já deste ano, que não aguardando o início de 2018, como é previsto o final natural deste mandato. Estamos inclusive nos preparando para isto, seguros de que os italianos no exterior serão bem representados e que continuarão, sim, a ser representados junto ao parlamento italiano. 
 
Redação Oriundi - A senhora já se manifestou favorável a uma possível candidatura sua ao Parlamento Italiano em 2018. Quando, em qual data, esta decisão deverá ser tomada e anunciada publicamente? Qual a sua previsão? Como esta decisão é tomada no âmbito do partido ao qual a senhora pertence?

Renata Bueno - Nós estamos neste momento discutindo a nova lei eleitoral e as próximas eleições. Tivemos no final do ano passado uma reforma constitucional que foi reprovada pelo referendum popular, isto gerou uma crise na Itália, e depois disso já entraram em debate as novas eleições. Precisamos, então, fazer uma nova lei eleitoral, porque a lei que foi votada em 2016 era prevista justamente com esta reforma constitucional que não foi aprovada, então esta reforma tem que ser refeita para trazer uma nova lei eleitoral dentro das condições em que agora o sistema italiano se encontra. 

Então com a nova eleição de Matteo Renzi como secretário geral do Partido Democrático (PD), acabou gerando já uma conversa com Berlusconi, que o presidente do partido Forza Italia e com Beppe Grillo, que comanda o Movimento 5 Stelle, que são as maiores forças políticas italianas, justamente para tentar achar um acordo para esta lei eleitoral e chamar as eleições o quanto antes, então, essa lei eleitoral que está indo a plenário justamente esta semana, quando saberemos maior detalhes da mesma,  que está sendo discutidas nestes dias nas comissões, e que vai trazer uma reforma bastante grande para a forma de votar na Itália, para as eleições políticas, mas internas da Itália. Porque aquelas que elegem os representantes no exterior é uma lei a parte, que não será alterada em absolutamente nada. 

Então, esta nova lei eleitoral para a Itália irá trazer uma cláusula de barreira de 5%, onde os partidos que não atingirem esta votação passarão a não mais existir, obrigando-se assim, a fazer alianças com maiores forças. Vai ser um sistema baseado no modelo alemão, tendo uma parte dos seus votos destinados a colégios uni nominais, onde cada partido terá somente um nome apresentado e 50% será de pequenas listas de 3 ou 4 nomes, de forma proporcional, onde cada eleitor elege o seu candidato. Serão entorno de 230 colégios para os deputados, 112 para os senadores, então isso muda bastante com relação forma como é hoje na Itália. 

Uma vez esta nova lei aprovada - a previsão é que ela termine em julho -, as Câmaras serão dissolvidas e então se convocarão as novas eleições, previstas para o final de setembro, começo de outubro e nós obviamente estamos acompanhando tudo. Tenho já me preparado a bastante tempo, creio que quando estamos em um mandato a preparação para um mandato sucessivo é natural. Eu tenho um grande grupo político que me acompanha, não só no Brasil, mas em toda a América do Sul, algumas pessoas na Itália também, que têm apoiado a minha candidatura para novamente ser deputada representante dos italianos na América do Sul. 

Eu tenho me preparado bastante para isso, é claro que não tenho idade ainda para ser candidata ao senado, então por isso não consigo compor com outras forças que gostariam de repente ter novos nomes para a Câmara dos Deputados e que eu fosse para o Senado. Tenho uma conversa muito estreita com a Usei, partido pelo qual me elegi, o querido senador Edoardo Polastri, que foi quem me trouxe para a política italiana infelizmente não está mais conosco, ele faleceu no começo deste ano, mas o grupo político e os grandes amigos continuam unidos com o meu nome e com o meu trabalho. Então, estamos nos organizando para uma próxima eleição. 

Tem um nome novo que tem me acompanhado bastante, que é o Andrea Matarazzo, que já foi Embaixador do Brasil na Itália, já foi Ministro no Brasil, e ele é filho de uma família pioneira da grande história italiana no Brasil. Família que chegou em São Paulo há 120 anos e que carrega o grande valor da imigração italiana no Brasil. Ele tem vontade de ser candidato ao senado e temos conversado bastante para fazer essa parceria. 
 
Redação Oriundi - E, por último: A cidadania italiana no exterior é um status que dá direito e deveres a quem a possui. Quais deveres a senhora destacaria?
 
Renata Bueno - Todos os cidadãos italianos, independentemente de estarem dentro ou fora da Itália, têm direitos e deveres, que são praticamente os mesmos daqueles que residem na Itália, uma vez que o cidadão italiano, mesmo residente no exterior, é igual a todos os demais. Os direitos, então, repetindo, são iguais e os deveres também, começando por dever tutelar a pátria italiana, ter amor e respeito e também votar. Eu acho que este é um grande passo que a Itália conquistou no início desta década, o voto no exterior, então eu acho que há este grande dever do voto, que significa um grande respeito pela pátria Itália. Não somente ter um documento italiano para poder viajar, mas também um comprometimento com a pátria italiana. 

No Brasil isto não é diferente, a maioria das pessoas que são duplo-cidadãos, claro que têm um grande amor pela Itália e uma grande relação com a cultura italiana, com a promoção da italianidade aqui no Brasil, acho que a gente ganha muito com isso, refazendo os laços entre a Itália e o Brasil. Principalmente a nova geração, vejo que tem buscado refazer a história da sua família com a Itália, justamente para aproveitar esta oportunidade de ser um cidadão italiano, para poder se relacionar com o mundo, principalmente com a União Europeia. Então, eu acho que os deveres são muitos, tenho dito isso inclusive nos lugares onde vou, em todos os encontros no Brasil e demais países da América do Sul porque os italianos no exterior sempre receberam muitos subsídios do governo italiano e dos estados italianos para promover as associações, a cultura, os projetos sociais em nome da Itália, aqui no exterior. Mas, tendo agora estes fundos diminuído, precisamos nos dedicar nós à Itália, acredito que tenha chegado o momento de retribuir tudo aquilo que a Itália fez por nós. Acho que seria esse o maior dever hoje dos cidadãos italianos que vivem no exterior.