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Cidadania italiana 2019: Mudanças do Decreto Salvini

O polêmico Decreto Salvini, que foi promulgado e convertido em lei no início de dezembro, trata de diversos temas ligados à segurança da Itália. O objetivo principal do Governo (capitaneado pelo Ministro do Interior Matteo Salvini, que dá nome ao decreto) é endurecer as políticas de acolhimento a imigrantes e refugiados, atendendo ao anseio de boa parte da população italiana.

Apesar do objeto central do decreto não guardar relação direta com a cidadania italiana, a lei cria e modifica regras referentes à cidadania italiana, principalmente para o processo de naturalização, que é a cidadania concedida pelo casamento e pela residência na Itália.

Boatos e especulações

Muito se falou nos últimos meses acerca do referido decreto na Internet, especulações de toda ordem pipocaram nas redes sociais. Alguns sustentavam que as regras pertinentes à cidadania italiana por descendência (‘ius sanguinis’) seriam alteradas de forma a limitar as gerações até o neto de italianos, teve gente que afirmou categoricamente que o prazo máximo de duração dos processos administrativos (feitos em comunes ou consulados) aumentaria para 48 meses e que a partir de agora ficaria inviável buscar o reconhecimento da cidadania italiana em comunes da Itália.

Muitos disseram que a “discriminação” contra a mulher nascida antes de 1948 seria extinta e que os processos de via materna que hoje tramitam no Tribunal Civil de Roma perderiam o objeto, causando alvoroços em grupos de Facebook de cidadania italiana. Alguns comunes chegaram mesmo a declarar abertamente que já estavam praticando o suposto prazo de 48 meses.

Esses boatos devem-se ao fato de que o primeiro “rascunho” do Decreto Salvini, que foi “jogado” na Internet alguns meses atrás por um canal de comunicação italiano, realmente previa tais mudanças na legislação que trata da cidadania italiana. Mas o texto presente nesse “rascunho” de lei não se confirmou e, após idas e vindas, o Parlamento Italiano finalmente aprovou o Decreto sem mexer nas regras pertinentes à cidadania italiana por sangue.

De tempos em tempos surgem rumores de mudanças nas regras da Cidadania Italiana as quais nunca se confirmam. Dessa vez não foi diferente: apesar de todas as especulações em sentido contrário, felizmente permaneceu intacto o direito dos ítalo-descendentes de buscar o reconhecimento da sua cidadania italiana.

A lei italiana não prevê limite de gerações, o que é alvo de críticas por parte de muitos. Essas pessoas alegam que a Itália não deveria reconhecer a cidadania italiana de descendentes distantes que não possuem qualquer relação com o País e que sequer conhecem o básico da língua italiana. Ainda que esses argumentos tenham certo fundamento, o fato é que a lei permite tal reconhecimento e, enquanto não houver modificação, a lei deve ser cumprida.

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Mudanças nas regras da cidadania por casamento (naturalização)

No fim, depois da celeuma toda envolvendo o texto contido no Decreto Salvini, o que houve (isto sim) foi um mudança significativa no procedimento relacionado a naturalização italiana (aquisição da cidadania italiana por casamento ou por residência na Itália).

A maior modificação, sem dúvida, é a exigência de um adequado conhecimento da língua italiana, não inferior ao nível B1 (intermediário). A partir de agora, quem deseja se naturalizar italiano deverá comprovar, documentalmente, que atingiu um nível considerável de domínio da língua italiana, acima da categoria de iniciante, o que não é pouca coisa.

Não basta mais ser casado com italiano ou residir na Itália por dez anos: se o estrangeiro quer se tornar cidadão italiano através da naturalização, deve superar um teste de proficiência da língua italiana. Tal exigência causará um impacto grande, considerando que boa parte (para não dizer a maioria) dos requerentes que apresentam os pedidos de naturalização não possui conhecimento do italiano, muito menos em nível intermediário.

Tudo indica que haverá uma imediata diminuição dos pedidos de Naturalização, como consequência da nova regra imposta, embora não se possa descartar (e isso seria algo positivo) que os interessados comecem a estudar e a aprender o idioma italiano para se habilitarem ao exame de proficiência.

Outras modificações importantes foram o aumento do prazo máximo de duração do processo de naturalização que agora será de quatro anos (no lugar dos 24 meses anteriores) e a majoração da taxa cobrada pelo Estado Italiano (antes era de 200 EUR e agora será de 250 EUR).

Muitas vezes o prazo anterior (24 meses) não era cumprido, de qualquer maneira, mas a tendência, agora, talvez seja alongar ainda mais o tempo de espera da convocação em função da mudança recém criada. O aumento da taxa é uma alteração objetiva que afetará todo mundo, inevitavelmente.

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O curioso é que, mesmo com o aumento de 50 EUR, a taxa cobrada pelo Estado Italiano segue sendo inferior em relação àquela cobrada de quem faz o seu processo por sangue no consulado, que é de 300 EUR. É justo que um descendente de italiano, que (ao menos por sangue) possui vínculo concreto e objetivo com a Itália, pague mais do que o seu cônjuge (que sabe pouco ou quase nada da Itália) para obter o reconhecimento da cidadania italiana? A resposta certamente é negativa.

Outro detalhe interessante e que pouca gente sabe é que, se o casal se divorciar, o cônjuge do italiano não perde o seu status de italiano e depois, caso venha a se casar com outra pessoa, transmite para esse novo cônjuge o direito de buscar a sua naturalização por casamento também, e assim por diante.

A dúvida que fica nesse momento é se as novas regras passam a valer também para os processos que já estão em andamento, iniciados antes da alteração advinda com o Decreto Salvini. Também não há definição do momento no qual se deve apresentar o certificado de proficiência na língua italiana (no início, quando da apresentação do pedido ou lá no final, quando o requerente é convocado para subscrever o juramento).

Para dirimir as dúvidas e incertezas, torna-se necessário que o Ministero Dell”Interno regulamente a matéria de forma clara e objetiva. Espera-se que isso seja feito o quanto antes.

Cidadania italiana Ius Sanguinis: Segue sem alterações

Em relação ao reconhecimento da cidadania italiana por descendência (por “sangue”), os aspectos mais relevantes e sensíveis permaneceram do jeito que estavam:

- segue inexistindo limite de gerações: todo o cidadão que possui um ancestral italiano tem o direito ao reconhecimento da sua cidadania italiana, não importa se esse antepassado é um tataravô (tataravó), um bisavô (bisavó), um avô (avó) ou pai (mãe);

- o prazo para os comunes e consulados finalizarem os processos não foi aumentado para 48 meses como se dizia: segue em vigência o prazo de 2 anos; 

- a “discriminação” legal para os descendentes por linha materna continua existindo: a Lei italiana não sofreu alterações de forma a corrigir essa discrepância histórica.

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Alternativas para se buscar o reconhecimento da cidadania italiana

Para os descendentes de italianos (sejam eles filhos, netos, bisnetos ou tataranetos) segue havendo quatro formas de buscar o reconhecimento da cidadania italiana, basicamente.

A primeira delas é a via consular: desde o início da década de 90 o descendente de italiano pode reconhecer a sua cidadania italiana perante o Consulado Geral da Itália da circunscrição onde vive. Atualmente, devido à grande demanda existente, a "fila" para o processo de reconhecimento da cidadania italiana é grande, leva-se anos para o descendente ver o seu direito reconhecido.

Em São Paulo, por exemplo, estão sendo chamados os requerentes que entraram na fila no ano de 2006. Em Porto Alegre recentemente foram convocadas as pessoas que ingressaram na fila no ano de 2010. Caso o descendente não tenha pressa e opte por encaminhar o reconhecimento da sua cidadania italiana junto ao consulado, deverá, primeiramente, ingressar na fila do Consulado e aguardar a convocação. Somente quando da convocação, muitos anos depois, é que será necessário juntar toda a documentação. Depois de entregar as certidões, deve-se aguardar ainda mais um bom tempo até que finalmente a cidadania seja reconhecida.

A segunda possibilidade exige a presença do requerente em solo italiano. O interessado deve possuir residência fixada no comune para poder pedir o reconhecimento da sua cidadania italiana. Em média leva cerca de seis meses para o processo ser finalizado, embora o tempo varie de comune para comune.

Não é necessário dar entrada no pedido no comune de onde veio o italiano da família, pois qualquer comune da Itália tem competência legal para instruir e finalizar um procedimento de reconhecimento da cidadania italiana por descendência, independentemente da proveniência da família. Um descendente de um italiano nascido na Calábria, por exemplo, pode ser reconhecido italiano perante um comune do Vêneto.

A terceira alternativa para buscar o reconhecimento da cidadania italiana é a interposição de uma ação judicial na Itália contra a fila do consulado. Também chamada de via paterna, trata-se de fazer esse reconhecimento diretamente no Tribunal Civil de Roma, por meio de uma decisão proferida por um juiz italiano. O requerente deve entrar na fila do consulado (se já não está) e posteriormente ingressar com o processo perante o Tribunal Civil de Roma alegando o descumprimento da lei por parte do Estado Italiano.

A lei prevê o prazo máximo de 730 dias para que a Administração Pública da Itália finalize o reconhecimento da cidadania de um descendente de italiano, o que não está ocorrendo: como é fato público e notório, as filas consulares duram bem mais do que dois anos. Na via judicial, não é necessário ir até a Itália: tudo é feito por procuração e o processo, atualmente, dura em média dois anos (podendo variar para mais ou para menos, dependendo do Juiz).

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Já existem sentenças favoráveis que reconhecem a cidadania italiana de descendentes (inclusive requerentes que estavam na fila há menos de 2 anos), em virtude da enorme demora para obter a cidadania italiana fazendo o processo no consulado italiano no Brasil. A jurisprudência parece estar se consolidando favoravelmente no Tribunal Civil de Roma e não é para menos, já que o próprio fato do requerente estar em uma fila com outras centenas de famílias esperando por um direito básico que é seu desde o nascimento constitui uma ilegalidade flagrante por parte da Administração Pública italiana.

Por último, aqueles que se enquadram na chamada via materna só têm uma alternativa: buscar o reconhecimento da cidadania italiana judicialmente perante o Tribunal Civil de Roma. Até 1948 o Ordenamento Jurídico da Itália estipulava que somente os filhos de pai italiano adquiriam a cidadania italiana. A mãe italiana casada com um estrangeiro não transmitia a cidadania para o seu filho nascido antes de 1948. 

No Brasil (e em todas as regiões em que houve fluxo imigratório italiano) há milhares de descendentes de mulheres italianas que durante muito tempo ficaram impedidos de adquirir a sua cidadania italiana, já que os Órgãos Administrativos responsáveis (comune e consulado) sempre se negaram a reconhecê-la. Atualmente há uma solução jurídica para o problema: desde 2009 (quando fora proferida a primeira decisão tratando do tema), a Justiça da Itália - quando instada a se pronunciar - passou a reconhecer a cidadania italiana por via materna para quem é filho de mãe italiana nascida antes de 1948.

A Jurisprudência está consolidada no sentido de que todo e qualquer cidadão nascido de mãe italiana antes de 1948 tem o direito de ver reconhecida a sua cidadania italiana. O processo da via materna dura - em média – dois anos e não é necessária a presença do interessado na Itália (basta uma procuração).

Em qualquer dos caminhos acima (consulado, comune, Tribunal de Roma por via paterna ou Tribunal de Roma por via materna) os requerentes devem juntar no processo toda a documentação que comprove a descendência (certidões de nascimento, matrimônio e óbito desde o antenato até os requerentes), devidamente traduzida para o italiano e apostilada. Também deve ser juntada a Certidão Negativa de Naturalização (CNN) do antenato para demonstrar que o italiano que veio para o Brasil não se naturalizou.

Mathias Haesbaert

Advogado no Brasil (OAB/RS 58.620)
Advogado em Portugal (OAI/Lisboa 54078L)
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