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"Neste Mundo" aborda o drama dos refugiados

Por Neusa Barbosa

Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2003, "Neste Mundo", do diretor inglês Michael Winterbottom, apaga deliberadamente a fronteira que separa a ficção do documentário para compor um drama ao mesmo tempo seco e pungente sobre os refugiados do mundo.

Winterbottom personaliza o relato na pele de dois jovens afegãos, Enayat (Enayatullah), de cerca de 20 anos, e seu primo órfão, Jamal (Jamal Udin Torabi), de 12.

Refugiados no campo de Shamshatto, no Paquistão, eles dividem abrigo num território de casas paupérrimas e ruas de terra batida com milhares de compatriotas que deixaram o país desde 1979, data da invasão soviética, e que continuaram saindo, especialmente após os bombardeios dos EUA em 2001.

Assim, qualquer perspectiva de vida parece melhor fora dali, e os dois decidem escapar por terra para Londres, onde um outro primo os ajudará.

O ponto forte do filme é o realismo, obtido a partir de um roteiro (de Tony Grisoni) montado sobre entrevistas de refugiados que passaram pelo mesmo calvário que os dois rapazes estão prestes a iniciar.

A filmagem com pequenas câmeras digitais concede à narrativa a urgência necessária à ambientação da história. Às vezes, as imagens são tão fluidas como se a câmera estivesse debaixo da pele dos dois protagonistas. A escassez de luz e as sequências tremidas, bem como a granulação dessas imagens, contribuem para concretizar, para o espectador, toda a instabilidade da situação de Jamal e Enayat -- interpretados por dois amadores.

Jogados de um canto a outro, subindo e descendo de caminhões precários, quase sempre escondidos no meio de caixotes de legumes ou rebanhos, ou sofrendo risco de sufocamento dentro de contêineres metálicos, privados de seu dinheiro, roupas e da própria língua, estes refugiados jogam toda sua vida numa roleta-russa da qual nem todos escapam.

Ao abrir mão de explicar a psicologia dos personagens, substituindo-a por suas reações instintivas a perigos e arbitrariedades, como a exploração pelos "contrabandistas de gente" e policiais de fronteiras, o filme coloca o espectador na pele desta multidão de indesejados.

Desta empatia, "Neste Mundo" extrai sua força, ao mesmo tempo que desvenda, com chocante clareza, o mecanismo de um aviltante comércio humano.