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Entrevista: Enrique Iglesias, presidente do BID

Depois de 17 anos na presidência do BID, Enrique V. Iglesias oferece uma avaliação do desempenho do Banco e faz reflexões sobre o progresso desigual da América Latina.

Quando foi eleito presidente do BID pela primeira vez em 1988, Enrique V. Iglesias já havia conquistado uma reputação internacional como economista, ministro das Relações Exteriores do Uruguai e secretário-executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da ONU. A América Latina acabava de sair do que viria a ser conhecido como a "década perdida", caracterizada por crises da dívida e convulsões políticas. A região precisava desesperadamente de novas idéias e novas fontes de financiamento para o desenvolvimento, e Iglesias estava convencido de que o BID poderia ajudar nos dois aspectos. Ele comandou uma vasta expansão do capital ordinário autorizado do Banco (de US$34,5 bilhões para US$101 bilhões) e reorganizou os departamentos operacionais do BID para torná-los mais ágeis em suas respostas às necessidades dos países mutuários.

Estabeleceu também novos departamentos para conduzir pesquisas econômicas e políticas, com o objetivo de gerar abordagens inovadoras para problemas em áreas como moradia, educação, saúde, saneamento básico e meio ambiente. Durante a tumultuada década de 1990, Iglesias foi um dos defensores mais destacados das reformas econômicas e institucionais que ainda estão em curso em praticamente todos os países da região.

O sucessor de Iglesias será o colombiano Luis Alberto Moreno, que tomará posse no cargo em 1o de outubro. Enquanto se preparava para assumir mais uma tarefa desafiadora – desta vez como secretário-geral da Comunidade Ibero-americana de Nações, composta de 22 países membros – Iglesias fez uma pausa para conversar com a BIDAmérica sobre a evolução da região nos últimos 17 anos. Seguem-se trechos de sua conversa com Santiago Real de Azúa, chefe da Seção de Imprensa do BID, e Roger Hamilton, editor da BIDAmérica.

A REGIÃO: VOLTADA PARA O FUTURO

BIDAmérica: Em termos gerais, quais seriam, em sua opinião, as mudanças mais significativas ocorridas na região durante seu mandato como presidente do BID?

Iglesias: Em primeiro lugar, a região está mais estável, aberta, eficiente e sensível às questões ambientais. Para muitos países da América Latina, a instabilidade era um modo de vida. As terríveis taxas de inflação do passado foram controladas e não há mais os problemas traumáticos de balança de pagamentos que costumávamos observar. A região também era muito fechada, inspirada por uma filosofia que olhava para dentro e não para fora. Hoje, ela é muito mais aberta para a própria América Latina e para o resto do mundo, em todas as direções: os Estados Unidos, a Europa, a Ásia e a África. Acho também que, apesar de algumas frustrações, tanto o setor público como o privado tornaram-se mais eficientes. A região também está mais sensível aos temas relacionados com o meio ambiente e a sustentabilidade, como parte de uma tendência mundial nesse sentido. O progresso em todas essas frentes foi desigual, dependendo do país.

BIDAmérica: Que frustrações permanecem apesar desses esforços?

Iglesias: Uma das grandes frustrações é que o crescimento na América Latina e no Caribe não foi tão grande quanto se esperava. E ele também se mostrou volátil, porque esteve exposto como nunca às flutuações dos mercados internacionais, com crises econômicas e bancárias muito sérias. Mas as maiores frustrações se deram nos setores sociais. Esperávamos ter uma resposta positiva muito rápida, no entanto a redução da pobreza continua a ser decepcionante. É difícil compreender por que a América Latina não foi capaz de reduzir a pobreza com mais presteza. O desemprego caiu, mas permanece muito alto. E a desigualdade também não melhorou; na verdade, piorou. Em alguns países, o crescimento econômico agravou a desigualdade em vez de reduzi-la.

O período foi cheio de ambivalências. Quando as reformas foram iniciadas na década de 1990, esperava-se que elas tivessem um impacto muito mais rápido no plano internacional, por exemplo, no comércio. No começo dessa década, quando terminou a Rodada Uruguai [de negociações comerciais], eram grandes as expectativas de que o efeito fosse positivo, mas isso nunca se materializou. Ainda estamos esperando que as resoluções da Rodada de Doha dos acordos da Organização Mundial do Comércio solucionem o problema do comércio, que é tão crucial para nossos países.

No final da década de 1990, começamos a sofrer o impacto não só de nossas próprias crises mas principalmente de crises financeiras de outras partes do mundo (Rússia e Ásia), que também nos atingiram. Isso foi algo que já tínhamos visto no passado: o contágio da turbulência econômica internacional. Como resultado, entramos num período de estagnação no começo do século XXI e, para complicar a conjuntura, logo em seguida ocorreram os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Felizmente, no ano passado, começamos a ver taxas de crescimento econômico que não víamos há muitos anos, o que abriu as portas para um novo otimismo. Em todo o período, a região conviveu com grandes esperanças e fortes decepções. Agora, estamos entrando num período de confiança renovada baseada em dois anos de bom desempenho, esperançosos de que a tendência se mantenha nos próximos anos.

Acho que, sendo realistas, não podemos afirmar que nada se fez na América Latina, porque isso não é verdade. Coisas importantes foram feitas, mas, ao mesmo tempo, houve enormes deficiências e grandes frustrações: o crescimento foi muito lento e volátil, e os problemas sociais continuam sem solução. Em outras palavras, o copo está meio cheio e meio vazio, com as proporções variando de um país para outro. Precisamos reconhecer que se fez algum progresso, pois, de outra forma, estaríamos ignorando parte da situação real.

BIDAmérica: O senhor acha que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos pela comunidade internacional podem ser alcançados?

Iglesias: Vários desses objetivos estão sendo alcançados. Estou preocupado com um deles em particular: a redução da pobreza. Receio que, se não atingirmos taxas de crescimento mais elevadas e se não forem implantadas políticas sociais inteligentes, não conseguiremos reduzir a pobreza pela metade até 2015, conforme o que se estabeleceu nos objetivos. Em outras áreas, acho que estamos fazendo um bom progresso, mas na redução da pobreza podemos ver nossos planos serem frustrados se continuarmos da maneira como estamos indo. Quanto aos objetivos para a educação fundamental, resolvemos a questão do acesso, mas estamos preocupados agora com a qualidade e o fortalecimento do ensino médio e superior. O problema é que, em muitos casos, as crianças abandonam a escola antes de completar a educação secundária e, além disso, a qualidade da educação deixa muito a desejar.

O projeto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio é útil porque traduz as aspirações da sociedade como um todo em um conjunto de objetos concretos e faz com que seu cumprimento torne-se uma responsabilidade dos governos e do setor privado. Em outras palavras, os ODM são mais ou menos como um termômetro de expectativas e frustrações. Eu sempre disse aos líderes políticos da América Latina que eles precisam considerar os ODM um ponto importante de seu diálogo e compromisso com a sociedade. Acho que todas as iniciativas que proporcionam orientação, definem objetivos e promovem a ação são muito boas.

BIDAmérica: Qual é a perspectiva para a primeira década do século XXI?

Iglesias: Como eu disse antes, os grandes problemas do final do século XX estão sendo atendidos, em grande medida, graças aos ventos favoráveis do exterior, como o aumento nos preços de matérias-primas numa região que é tão dependente delas, a redução das taxas de juros e a abertura de novos mercados. Além disso, as políticas governamentais são mais sólidas que no passado. Mesmo governos que não foram eleitos com base em plataformas reformistas ou progressistas têm agido de maneira muito séria em relação a suas políticas macroeconômicas. Ninguém está brincando com a macroeconomia, porque todos sabem que teriam de pagar um preço muito alto por isso.

Enfatizamos que os governos precisam aproveitar essa situação de condições externas favoráveis e políticas macroeconômicas sólidas para realizar mudanças que nos ajudem a melhorar a capacidade de resposta interna da economia e, assim, gerar taxas de crescimento econômico mais altas, que nos permitam cuidar das questões sociais.

A América Latina tem de aprender com as experiências de outras regiões, como a Europa e a Ásia, porque todos nós compartilhamos os mesmos objetivos econômicos de crescimento e de atendimento das necessidades sociais a partir desse crescimento. É importante observar como os países asiáticos obtiveram progresso em suas aspirações sociais graças ao crescimento e tirar lições dessa experiência. Na Ásia, o crescimento foi possível, fundamentalmente, graças a um grande aumento da poupança, prioridade máxima à educação e um enorme apoio à tecnologia e ao conhecimento, que são a base de uma economia moderna. As economias asiáticas também se abriram para o comércio internacional, promovendo exportações e mantendo uma relação inteligente entre o Estado e o setor privado.

O modelo social europeu também nos mostra como o crescimento econômico pode ser conciliado com justiça social. Esse modelo passou por mudanças significativas, mas, em essência, permanece o mesmo. Acredito que apoiar o desenvolvimento social e o princípio de solidariedade como os europeus fizeram é crucial e demonstra que a gestão econômica sólida é compatível com o progresso social.

O PAPEL DO BANCO: PASSADO E FUTURO

BIDAmérica: Como o Banco respondeu aos principais desafios que surgiram durante seu mandato? Como ele se adaptou às novas necessidades dos países?

Iglesias: O Banco teve de se adaptar continuamente a todos esses fatos novos. Quando assumi o cargo de presidente, afirmei em meu discurso inaugural que minhas aspirações eram ver um Banco maior, mais criativo e eficiente. Estou convencido de que fizemos um progresso significativo nessas três áreas. O Banco está, decididamente, muito maior: quando assumi o cargo, tínhamos um capital social de US$34 bilhões, que hoje evoluiu para US$101 bilhões. De uma carteira de US$21 bilhões, crescemos para US$67 bilhões. O Banco tornou-se mais criativo, no sentido de que experimentamos novas maneiras de lidar com o ambiente econômico mutável e de apoiar os governos em suas tomadas de decisão referentes a políticas econômicas e sociais. Em minha opinião, devemos nos orgulhar da flexibilidade que alcançamos.

Também somos um Banco mais eficiente, embora eu reconheça que sempre há espaço para melhorar, e estou certo de que isso acontecerá. O Banco melhorou suas práticas administrativas e suas relações com os países. Introduzimos vários instrumentos de empréstimos que não tínhamos antes e estamos cada vez mais voltados para empréstimos baseados em desempenho e empréstimos setoriais vinculados ao trabalho conjunto com outras instituições. Mais importante, lançamos empréstimos baseados em políticas para apoiar reformas políticas e institucionais, o que acredito ter sido uma inovação apropriada na época. Em termos de instrumentos, expandimos as relações do Banco com o setor privado, estabelecendo a Corporação Interamericana de Investimentos (CII), o Fundo Multilateral de Investimentos (FUMIN) e a janela com o setor privado, que financia projetos de infra-estrutura. Recentemente, foi criado o cargo de coordenador geral para supervisionar todas as atividades do Banco com o setor privado.

O desenvolvimento social tem sido uma questão fundamental desde que o Banco foi fundado, sob a liderança de Felipe Herrera, e assim permaneceu no mandato de Antonio Ortiz Mena. Os empréstimos para os setores sociais (educação, saúde, moradia e desenvolvimento urbano) foram a base de nossa instituição por muitos anos. As preocupações sociais também foram sempre uma prioridade durante meu mandato. Fizemos da luta contra a pobreza nosso objetivo central: 50% de nossos empréstimos vão diretamente para o desenvolvimento social. O Banco tem a maior porcentagem de empréstimos para setores sociais entre todas as organizações multilaterais.

Além das áreas tradicionais de educação, saúde e moradia, entramos em novos setores, como problemas de gênero, melhoria de bairros, violência urbana e doméstica, questões que constituem hoje preocupações importantes para a sociedade latino-americana. Também tentamos apoiar os governos em programas de emergência para aliviar o impacto de grandes crises. Oferecemos financiamento para projetos inovadores de redução da pobreza, como o Oportunidades no México e o Bolsa Família no Brasil, entre nossos esforços contínuos para atender às necessidades dos segmentos mais carentes da população.

Uma segunda área importante com a qual trabalhamos muito é a competitividade. A idéia é assegurar um crescimento mais rápido e que também seja de melhor qualidade, com mais geração de empregos. Para melhorar a competitividade, lançamos dois programas regionais ambiciosos que dominaram nossos esforços em anos recentes: a Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA) e o Plano Puebla-Panamá para infra-estrutura no México e na América Central.

Estamos começando a trabalhar com tecnologia e acabamos de criar um escritório para inovação tecnológica. Continuamos a melhorar as políticas públicas por meio de reformas no sistema regulador. Estamos trabalhando para promover a poupança, especialmente mediante melhorias nos mercados de capitais, uma das principais linhas de atividade que o Banco deve promover nos próximos anos.

Uma terceira área em que o Banco tem se concentrado em resposta aos novos desafios é a reforma institucional, que consideramos de extrema importância, assim como muitos pensadores e analistas do desenvolvimento econômico e social. Apoiamos importantes reformas institucionais do Estado, em especial de sistemas financeiros, sistemas de seguridade social, sistemas reguladores etc. A reforma do sistema judiciário, em particular, assumiu um papel central: há 16 anos temos promovido uma iniciativa para melhorar o acesso à justiça e estamos trabalhando com cerca de 20 países da América Latina de várias maneiras diferentes, desde o apoio a sistemas de arbitragem até a reforma do sistema judiciário. Acredito que fizemos um enorme progresso nessa área.

A quarta principal linha de atividade do Banco é a liberalização do comércio na América Latina, pelo seu apoio a sistemas de integração regional e à abertura do comércio com outras partes do mundo (Estados Unidos e Europa). Eu sei que essa linha está destinada a se manter como o pilar da ação do Banco. O Banco nasceu da tendência para a integração regional da América Latina; Felipe Herrera chamou-o de "Banco da Integração", como um veículo para a cooperação regional e um trampolim para a participação no comércio mundial.

Com a iniciativa IIRSA, estamos promovendo a integração regional por meio de transporte, energia e comunicações, com o objetivo de facilitar o comércio entre os países da região. Por exemplo, temos agora um projeto básico de integração energética mediante o uso do gás natural. O Banco está fortemente comprometido com esse projeto de "anel energético" de grande escala, que é um acontecimento histórico de enorme importância para o presente e o futuro da América Latina. Acho que é muito melhor que esse tipo de investimento físico seja feito com a participação de um banco como o BID, que se preocupa com a preservação do meio ambiente e tem contratos de construção transparentes, que podem ser monitorados. As ONGs querem que o Banco participe de projetos de integração como esse para poder ter uma influência real sobre a forma como as políticas públicas são implementadas e para assegurar que princípios claros de proteção ambiental sejam respeitados, o que nem sempre acontece quando os investimentos são financiados por outros canais públicos ou privados.

BIDAmérica: Olhando para o futuro, quais serão os três maiores desafios que, em sua opinião, o Banco terá de enfrentar nos próximos cinco anos?

Iglesias: Eu diria que, em primeiro lugar, precisamos continuar a trabalhar com políticas públicas, porque isso terá uma relevância renovada na América Latina. Temos de oferecer um apoio claro e explícito para a reforma do Estado em todas as suas diferentes facetas. Esse será um grande desafio para o Banco. Em segundo lugar, acho que precisaremos encontrar novas maneiras de desenvolver os mercados de capitais, a fim de que possamos começar a emprestar diretamente em moeda local, oferecendo, por exemplo, tipos de empréstimos que ajudem os países a aumentar sua capacidade de gerar poupança em moeda local. Terceiro, vamos ter de oferecer muito apoio a países que estão se abrindo para o comércio internacional, porque a competitividade será um enorme desafio para eles. Isso é o que estamos fazendo atualmente com a América Central. Por fim, teremos de fortalecer os setores sociais. Precisamos oferecer um apoio considerável a programas de emergência destinados a atender às necessidades mais urgentes e, ao mesmo tempo, promover avanços nas reformas básicas nas áreas de educação, saúde e condições de vida para a população. Acredito que devemos manter essa abordagem dupla de atender necessidades sociais de emergência e apoiar soluções de longo prazo, por meio de programas voltados para a educação, tecnologia e outras iniciativas destinadas a capacitar os trabalhadores em modos de produção que possam aumentar a sua renda.

BIDAmérica: Há algum risco de que os países parem de solicitar empréstimos ao Banco?

Iglesias: Os países de renda média representam um sério desafio. Eles estão conseguindo cada vez mais acesso a mercados de capitais internacionais e, portanto, têm menos necessidade de contribuições financeiras exclusivamente do Banco. Teremos de manter esses países interessados em trabalhar conosco pela abertura de novas fronteiras. O Banco continua a fazer empréstimos a países como o Chile, que apresentam maior desenvolvimento econômico e social e se interessam em manter parcerias com o BID, porque o Banco lhes oferece experiência, supervisão e eficiência na forma de investir os recursos. Acho que precisamos tentar manter essa capacidade de sermos úteis para esses países em áreas nas quais o Banco pode proporcionar algum valor agregado. A demanda de apoio do Banco ao setor privado também está crescendo.

Outro fator fundamental é que o Banco é uma organização cooperativa que mantém relações com todos os países, grandes e pequenos, mais desenvolvidos e menos desenvolvidos. Os países maiores, em especial os que têm mais acesso aos mercados financeiros, querem que o Banco seja um instrumento útil para todos, inclusive os países menores, porque isso amplia sua capacidade de integração, melhorando portanto a situação econômica e social para todos os países da região. Acho que, por ser o Banco um instrumento de integração regional, é do interesse dos países maiores que ele siga trabalhando efetivamente com os países economicamente menos desenvolvidos. Por isso, os países maiores devem continuar tomando empréstimos com o Banco, para que ele possa manter seu equilíbrio econômico e financeiro e, dessa forma, ter condições de apoiar os países menores.

BIDAmérica: Qual deve ser o papel do Banco na área de pesquisa?

Iglesias: Como disse nosso primeiro presidente, Felipe Herrera, somos mais do que um Banco. Nossos objetivos expandiram-se em muitas direções, sendo uma delas a pesquisa. Com uma visão bastante ampla, como foi demonstrado pelo estabelecimento do Escritório do Economista Chefe, o Banco vem oferecendo uma contribuição intelectual importante para a pesquisa. Antes, não tínhamos nossa própria equipe de pesquisa econômica, apenas estudos sobre temas específicos nas análises de país, sem nenhuma capacidade abrangente de realização de análises econômicas e financeiras. O Escritório do Economista Chefe tem alcançado muito sucesso, abrindo novas fronteiras na análise econômica e social da região e oferecendo grandes contribuições. Por exemplo, o Banco publicou estudos sobre crises financeiras e bancárias e mão-de-obra. Agora, vamos publicar um estudo sobre reformas institucionais. Temos ampliado nossa área de atuação para bem além da economia.

No futuro, pretendemos, em conjunto com os governos, promover pesquisas voltadas diretamente para um determinado país, a fim de identificar e discutir necessidades em conjunto com os governos e examinar como desenvolver uma política para empréstimos e cooperação técnica que esteja mais estreitamente ligada aos problemas locais. Estamos apresentando uma proposta à Diretoria Executiva para a abertura dessa nova fronteira na análise econômica aprofundada dos países e esperamos que ela seja aprovada ainda este ano.

OS PARCEIROS DO BANCO

BIDAmérica: A participação dos cidadãos nas tomadas de decisão governamentais e o desenvolvimento de uma sociedade civil ativa e forte são fenômenos novos na região. Qual foi o impacto dessa mudança nas estratégias do Banco?

Iglesias: A sociedade civil é cada vez mais importante no mundo inteiro, em algumas partes mais do que em outras. Na América Latina e no Caribe, sua entrada em cena teve muito a ver com o retorno da democracia, que abriu as portas para a liberdade de expressão, que havia sido reprimida pelos regimes autoritários. A sociedade civil pode se expressar, manifestar-se nas ruas e ajudar a promover mudanças políticas profundas. Ela tem um impacto genuíno e poderoso. Seu papel básico é monitorar a agenda dos setores público e privado e agir de maneira construtiva, como um parceiro fundamental. O Banco, atualmente, tem usado a sociedade civil para implementar projetos. É assim que deve ser, é como fazem na Europa. Uma parcela considerável dos gastos sociais na Europa é realizada por intermédio da sociedade civil. Organizações da sociedade civil geralmente usam melhor os recursos, multiplicam seu impacto por meio de trabalhos voluntários e são mais eficientes na administração das coisas do que o Estado, para o qual isso teria um custo mais alto.

A sociedade civil é um recurso importante de consulta e, portanto, um parceiro de peso na definição de políticas e na tomada de decisões econômicas e sociais do Banco. O BID estabeleceu Grupos Consultivos para a Sociedade Civil na maioria dos países, por meio dos quais trocamos opiniões e discutimos os planos de ação gerais do Banco. A sociedade civil é, desse modo, um parceiro efetivo na administração da política ambiental do Banco, que ela monitora de perto. O Banco vem ganhando experiência em políticas ambientais graças à participação ativa da sociedade civil nessa área.

Embora desejemos uma sociedade civil mais ativa e participativa, também queremos que o Estado seja mais ativo e participativo. Ambos os setores precisam ser fortalecidos: se tivermos a sociedade civil, mas não o Estado, acabaremos com iniciativas dispersas que com freqüência não são do interesse do público em geral; por outro lado, um Estado sem a sociedade civil é um governo sem contato com a realidade econômica e social e, portanto, com um alto risco de fracasso. A sociedade civil precisa participar de alguma maneira. O Banco incentiva essa participação com seus projetos e mecanismos de consulta, que enriquecem suas atividades de infra-estrutura. Todos os anos eu me reúno com representantes da sociedade civil da região e, embora essas reuniões às vezes sejam um pouco difíceis, são sempre úteis e estimulantes.

BIDAmérica: Como o conceito de desenvolvimento sustentável foi aplicado na região? Como o Banco promoveu e apoiou sua implementação?

Iglesias: Sustentabilidade significa associação do crescimento econômico com a natureza, e o desenvolvimento social com o meio ambiente. Trabalhei na preparação da Conferência sobre o Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972, que, na minha opinião, foi uma das maiores iniciativas humanas. Adotar, finalmente, uma abordagem abrangente para a relação da humanidade com o meio ambiente é, sem dúvida, fundamental para a preservação do planeta nos anos futuros. No entanto, a sustentabilidade em relação a objetivos sociais também é um tema importante. Ela precisa ser mantida em toda a nossa região, que embora disponha de recursos naturais tão abundantes tem ao mesmo tempo grandes problemas sociais que derivam da pobreza e da expansão urbana, com um impacto ambiental dramático. Lembro que, quando começamos a trabalhar na preparação da conferência, não havia praticamente nenhuma ONG envolvida em questões ambientais na região. Elas se desenvolveram quando as Nações Unidas colocaram o tema em discussão. E começaram então a crescer, em particular entre os jovens, que são especialmente sensíveis às questões ambientais. Hoje, os jovens são os participantes mais ativos nas atividades voltadas à conservação, preservação e uso eficiente de recursos. No futuro, as pessoas estarão muito mais ansiosas para ver esses temas sempre presentes nas agendas políticas nacionais. O Banco precisa, portanto, mostrar-se cada vez mais atento a essa conscientização na América Latina.

BIDAmérica: Em seus primeiros anos, o Banco trabalhou de início com governos, mas agora também lida com o setor privado. Como ocorreu essa mudança?

Iglesias: Até a década de 1990, o Banco trabalhava com o setor privado mediante empréstimos para programas de crédito globais, que eram concedidos a bancos públicos ou privados com garantias governamentais. Aprovamos bilhões de dólares para esse tipo de empréstimos. Na década de 1990, entramos numa nova fase, com três acontecimentos importantes. Estabelecemos a Corporação Interamericana de Investimentos, com um capital social de US$800 milhões para atender pequenas e médias empresas. Essa foi a primeira vez em que contribuímos diretamente com empresas privadas, emprestando dinheiro e fazendo investimentos em participações.

Em segundo lugar, em 1992, constituímos o Fundo Multilateral de Investimentos (FUMIN), por meio do qual conseguimos abordar áreas inovadoras, como regulação, fortalecimento do Estado, capacitação para recursos humanos e desenvolvimento empresarial. Com o FUMIN, o Banco também apoiou ativamente os temas de desenvolvimento de microempresas e microfinanças, cujo grande potencial criativo nos levou a novas áreas, como remessas feitas por imigrantes. O Banco conduziu estudos pioneiros sobre remessas de dinheiro e seu impacto social em nossos países. A crescente conscientização produzida pelas atividades do Banco pôs o tema em evidência na reunião do G-8, nas agendas de todos os governos e ONGs e aos olhos do público.

O terceiro marco foi a criação do Departamento do Setor Privado em 1994, quando o Banco começou a participar diretamente de empréstimos para financiamento de projetos de infra-estrutura. Em minha opinião, esse foi um passo fundamental que nos ajudou a construir uma base de experiência nessa área, que continuará crescendo. Acho que o fortalecimento das atividades do Banco com o setor privado caminha lado a lado com o que se observa na qualidade da ação governamental, e que existe uma conexão crucial entre essas duas temáticas.

Como um avanço no sentido de aumentar a eficiência das relações do Banco com o setor privado, temos hoje um coordenador geral que supervisiona todas as atividades relacionadas com essa área.

BIDAmérica: Como foi a evolução das equipes de políticas econômicas dos países mutuários do BID desde que o senhor assumiu a presidência do Banco? E quanto à liderança política na região?

Iglesias: As equipes econômicas melhoraram substancialmente em todos os países, razão pela qual a política macroeconômica tem sido mantida, uma vez que há pessoas muito capazes em todos os níveis. Há também muitas inovações no campo das políticas sociais, com um grupo de pessoas que têm uma capacidade real de administrá-las melhor do que antes. Em relação às lideranças políticas, eu diria que elas ainda não assimilaram inteiramente o que significa a globalização ou como o processo pode muitas vezes limitar as opções de políticas econômicas e sociais locais. Acho que, algumas vezes, essa situação levou a certas respostas políticas que não são apropriadas para o mundo competitivo e difícil em que vivemos hoje. As lideranças às vezes ficam um pouco defasadas em suas respostas às novas realidades econômicas, políticas e sociais do mundo atual.

Esse problema vai ser um desafio para a classe política na América Latina: como podemos alcançar os objetivos centrais de desenvolvimento social, que são, obviamente, a plataforma de todos os governos, ao mesmo tempo que nos tornamos mais eficientes e competitivos com o uso inteligente dos mercados e das relações externas? A classe política terá de enfrentar esses muitos desafios nos próximos anos com muito mais rapidez, respondendo aos problemas e desafios do mundo moderno com a mesma agilidade que temos observado em outras regiões.

Parece-me que os partidos políticos precisam evoluir no mesmo ritmo das mudanças econômicas e sociais derivadas dos complexos processos do cenário internacional. Eles precisam acelerar seus ajustes, porque os partidos são a base da democracia, da vida democrática. Esse descompasso com a realidade tornou-os menos relevantes em alguns países, levando ao surgimento de novas lideranças políticas justamente porque os partidos não responderam de uma maneira ágil e apropriada a esses desafios locais e internacionais. No entanto, estou mais preocupado porque os países não parecem estar totalmente conscientes das limitações que enfrentam por serem parte de uma comunidade internacional que define as regras do jogo, as quais são impostas de fora. A melhor defesa continua sendo o realismo político e a ação conjunta de nossos países.

UM OLHAR PARA TRÁS

BIDAmérica: Como era o BID quando o senhor assumiu a presidência?

Iglesias: Bem, quando eu cheguei ao Banco, havia entre os governantes discordâncias que criavam uma atmosfera bastante tensa. Tenho muito orgulho de dizer que conseguimos construir um ambiente de convivência amistosa muito gratificante e eficiente, porque acho que o Banco nasceu como um amplo esforço cooperativo para os países interessados em trabalhar de forma mais intensa em prol da América Latina. Há uma atmosfera muito construtiva hoje, em especial nas relações do Banco com os países.

Esse espírito de cooperação reflete-se especialmente nos momentos críticos, quando o Banco trabalha com os países para resolver sérias crises econômicas, políticas e, claro, as conseqüências de desastres naturais. Metade de nossos países enfrentaram crises decorrentes de desastres naturais. Esses são momentos em que vemos o espírito cooperativo em ação. Em minha opinião, ganhamos muito em termos de diálogo e resposta coletiva a situações difíceis. O modo como trabalhamos com os países também mudou: eles não são mais clientes, são parceiros em um esforço de grupo. Nossa meta é ajudar a alcançar esse objetivo, e não nos servirmos dele. O Banco assumiu um forte compromisso com esse espírito, e minha opinião é que conseguimos desenvolver um belo exemplo de relação amistosa e construtiva entre a Diretoria Executiva e a Administração, o que foi um passo fundamental para o Banco como instituição. O espírito de cooperação no Banco é certamente muito mais forte hoje do que no início de meu mandato.

BIDAmérica: Há alguma coisa que o senhor faria de modo diferente se tivesse a chance de voltar atrás?

Iglesias: Fortalecer o Estado e melhorar sua eficiência e transparência são tão cruciais, que o processo de reforma foi muitas vezes mal compreendido, ou menos bem-sucedido do que poderia ser, porque sua base institucional era muito fraca. Aprendemos que a corrupção é um fenômeno muito pernicioso, em termos tanto de ética quanto de impacto social, com sérias conseqüências para o crescimento econômico, e que a transparência na governança é fundamental.

Acho que, talvez, devêssemos ter ampliado mais cedo nossa participação nas reformas institucionais. No entanto, precisamos ter em mente duas coisas: primeiro, é normal enxergarmos melhor as coisas depois que elas aconteceram, e sempre aparecem mais idéias depois que o fato foi consumado; e segundo, o processo de aperfeiçoamento nunca chega ao fim. As decisões precisam ser tomadas não apenas no contexto de suas circunstâncias, mas também no das pessoas, e cada período econômico é determinado pela situação social e política da ocasião, assim como pelas percepções externas em relação a ele. O constante bombardeio de percepções, visões e ideologias permite que existam múltiplas respostas para os problemas, e se a vida me ensinou alguma coisa foi que precisamos ser mais humildes e prudentes ao desenvolver modelos econômicos grandiosos e miraculosos.

Os bancos multilaterais são com freqüência criticados por causa dos níveis de pobreza persistentemente altos. Obter desenvolvimento com igualdade social é um desafio com duas agendas, uma nacional e uma internacional. A agenda nacional é decisiva, porque, se os países não contarem com as instituições necessárias, não conseguirem gerar poupança, melhorar a eficiência econômica e implementar políticas sociais inteligentes, fica muito difícil para eles eliminar a pobreza. A agenda internacional ajuda a alcançar essas metas, mas jamais as substitui. Em outras palavras, o problema da pobreza não pode ser resolvido de fora para dentro.

A agenda internacional é apoiada por instituições multilaterais, mas, ao mesmo tempo, precisa dar atenção às enormes disparidades existentes no comércio internacional. Precisamos de um comércio mais forte, com preços justos para nossa matéria-prima. Nossos empréstimos, sozinhos, não são suficientes para resolver a agenda nacional. E a situação do comércio não é como deveria ser. É muito importante compreender que os grandes problemas sociais não podem ser solucionados de fora se a agenda local não for ágil em suas respostas e se o mundo não abrir oportunidades de comércio para todos os países, especialmente os mais pobres.