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2 de outubro. Dia de celebrar o nonno e a nonna

2 de outubro. Esse é o dia em que a Itália decidiu comemorar  possivelmente a figura  mais emblemática  do contexto familiar dos italianos, competindo inclusive com a mamma. Uma lei nesse sentido foi instituída em julho de 2005. Por conta da comemoração, várias cidades desenvolvem nesta quinta-feira uma programação especial. É o caso, por exemplo, de Roma, onde vários museus abrem suas portas gratuitamente para nonnos acompanhados dos netos. Em outros lugares, como a Lombardia, as comemorações ocorrerão no domingo.

A lei 159, que estabeleceu a Festa nazionale dei nonni, fixou inclusive uma premiação aos nonnos e nonnas que, ao longo do ano, distinguiram-se por suas ações no campo social.  Mas, acima de tudo, a idéia central da medida é celebrar a importância e o papel dos nonnos no âmbito familiar e social.

Paradoxalmente, a idéia de um dia dedicado aos avós surgiu nos Estados Unidos, por iniciativa de Marian Mc Quade, mais de 15 filhos e avó de 40 netos. Ela iniciou uma campanha na década de 70, quando trabalhava com idosos. Em 1978, o presidente Jimmy Carter proclamou que o Grandparents Day seria celebrado  no primeiro domingo de setembro.

Com ou sem data oficial, o certo é que  os nonnos são figuras insubstituíveis na infância e na vida das pessoas, especialmente dos italianos e descendentes.

Na verdade, além das questões estritamente afetivas, os nonnos são, atualmente, 10 milhões na Itália, sendo que dois milhões deles estão na Lombardia, um dos lugares que mais se mobilizou para festejar a data. Oito em cada 10 deles  colaboram efetivamente com a manutenção da família.

Outro dado indica a importância da participação dos nonnos: entre as mulheres que trabalham, 55% delas deixam seus filhos com eles,  o que significa que, na primeira infância, são os nonnos a primeira instituição e a primeira referência para as crianças.

Valeu a pena: eu vi o nonno e a nonna

O nonno era alto, corpulento, tinha poucos cabelos, todos brancos. Seus olhos eram verdes e o seu rosto, apesar dos 80 anos, não estava enrugado, a pele era lisa, clara. A nonna também não era muito pequena, mas tinha o corpo esguio, magro, meio arqueado. Nunca vi os seus cabelos, sempre andava com um lenço sobre a cabeça. Tinha mais ou menos a mesma idade dele. Não lembro bem da cor dos seus olhos, acho que eram escuros. Seus lábios eram finos, meio retos, ao contrário do nonno, que os tinha bem delineados.

Como eu gostava de vê-los. O nonno me passava paz, era um homem de poucas falas, porém terno, afetuoso. Colocava-me em seu colo, apertava-me com a força do carinho e sussurrava ao meu ouvido (eu sentia o seu hálito, tinha o cheiro de campo). De vez em quando, falava sobre Treviso, a terra dos seus pais. A minha nonna também não falava muito. Não precisava. Suas mãos, de dedos longos e grossos, apertavam a minha cabeça com uma doçura que jamais esqueci.

O nonno e a nonna moravam em uma cidade, Lages, Santa Catarina,  para onde foram levados pela maioria dos seus 15 filhos, ansiosos por livrar-se do trabalho duro nas três colônias, à beira do rio das Antas, em Antônio Prado, no Rio Grande do Sul. Meu pai comprara uma casa para eles. Ficava mais ou menos a um quilômetro de onde eu morava. Para quem tinha cinco ou seis anos, era uma distância enorme, quadras e mais quadras.

Aos domingos, minha mãe preparava uma galinha com massa, polenta e salada de radicci. Meu pai ia buscá-los para almoçar. Em torno da mesa farta, com o queijo parmesão passando de mão em mão, meu pai falava em italiano, um dialeto, com eles. Eu não entendia nada, recordo apenas de algumas palavras. Enquanto isso, o garrafão enchia os bicchieri de vinho tinto. A polenta era cortada com uma linha de cozer; a massa feita em casa, pela minha mãe, fumegava quando o molho da galinha se esparramava sobre o prato.

E eu ali, com o queixo batendo na beira da mesa, alegre, olhando para o nonno e para a nonna. Como eu gostava deles! E como eles gostavam de mim. A minha mãe dizia que eu era o neto preferido. Não sei...

Só sei que às vezes eu sentia uma saudade imensa deles. Pois os domingos demoravam a chegar. Assim, um dia, tomei uma decisão: eu iria vê-los. De calça curta, ofegante, percorri a distância que separava as casas. Não pensava em nada, eu só queria ver o nonno e a nonna.

Quando cheguei, eles não conseguiram esconder a surpresa, logo substituída por uma indisfarçável alegria.  Refeitos, entramos na casa de alvenaria. Havia um corredor até chegar à porta da cozinha, ladeado por duas faixas estreitas de terra, cheias de flores. Ao fundo, um quintal, onde a nonna plantava radicci e alguns  temperos.

Fomos até a cozinha, sentamos ao lado do fogão a lenha. A nonna se dirigiu até o armário e trouxe uma tigela com biscoitos de milho incrivelmente bons, que ela fazia no forno de barro.

Não sei quanto tempo fiquei e o que conversamos. Só recordo da hora de ir embora, por insistência de uma tia, a Maria, que ainda morava com eles, assim como a tia Amabile. Ela imaginava o pavor da minha mãe pelo meu desaparecimento e, em sua ansiedade,  teve uma idéia: Guiseppe faça um ramo de flores, flores lindas, colha aqui e naquela outra casa bonita, mais adiante. Dê para a sua mãe, peça perdão, diga que não fará mais isso.

Despedi-me do nonno e da nonna. Percebi o nonno com os olhos molhados. A nonna coçava o queixo, o semblante inquieto.Ela me beijou e me deu um sanduíche com pão feito em casa, recheado de doce de figo. Abracei a tia Amabile, a tia Maria, olhei para o nonno e a nonna. Sorri com aquele sorriso de cumplicidade. E tomei a rua. A volta foi demorada. Colhi mais flores no caminho. Fiz um buquê do meu tamanho.

Finalmente, cheguei em casa para o confronto com aquela mulher que era minha mãe, cujo maior orgulho era dizer: sou italiana legítima.Não parava de falar nisso.

Ela me recebeu em silêncio. Pegou as flores, agradeceu, apanhou um chinelo de couro e bateu no meu traseiro várias vezes. Em meio às chineladas, apenas a ouvia dizer que estava me surrando para eu aprender a não fazer uma coisa tão errada. Chorei, apesar de ela não ter aplicado muita força. Depois da sova,  fui para o quarto com uma sensação: valeu a pena. Eu vi o nonno e a nonna.(José Antônio B.D. Zulian)