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O Processo Escolar entre Imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul

Por Luchese, Terciane Ângela

No final do século XIX, o Rio Grande do Sul, seguindo as políticas nacionais e mesmo provinciais de incentivo ao processo de colonização recebeu milhares de imigrantes, especialmente italianos estabelecidos na região nordeste do Estado. As primeiras colônias criadas - Dona Isabel, Caxias e Conde d´Eu, correspondem, atualmente aos municípios de Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul, Santa Teresa, Caxias do Sul, Garibaldi, Farroupilha e Carlos Barbosa.

As produções historiográficas relativas a imigração italiana para o Estado são muitas e, em sua maioria ratificam o discurso de que aqueles grupos ordeiros, trabalhadores construíram do ‘nada’ grandes centros econômicos, graças a sua perseverança e religiosidade. A proposta deste artigo é questionar estes discursos, dando ênfase à importância escolar e às iniciativas de escolarização, especialmente as aulas étnicas italianas.

Muitas crianças, em fins do século XIX, iam até a escola de pés descalços, enfrentando o frio, a geada, a chuva e percorrendo a pé longas distâncias. Não havia comodidades. Pelo contrário, algumas delas precisavam cumprir tarefas domésticas antes de irem para a escola e muitos foram os que deixaram de estudar para auxiliarem os pais na "lida" da roça. Os que conseguiam freqüentar alguns anos de escola seguiam para a mesma carregando numa pequena bolsa de tecido, os parcos materiais de estudo: a "pedra", a pena e, por vezes, o lanche. Conforme Costa:

"Mandar os filhos à escola era um peso para a economia da família. Em primeiro lugar, era necessário comprar o material escolar, o vestuário que representava elevada despesa, visto as poucas fontes de renda. Muitos pagavam os estudos com produtos da lavoura: arroz, batata, feijão... A perda da mão-de-obra era outra razão que impedia os pais de enviarem os filhos à escola. A experiência ensinara que a vida era possível, mesmo sem estudo. Compreende-se o pouco apreço pelo estudo que não se apresentava como instrumento de solução imediata de problemas; nem como meio para um futuro feliz da família dos imigrantes. A autêntica segurança era a terra, pois dela, podia-se obter a produção necessária à própria sobrevivência."1

As escolas, no entender de muitos estudiosos e pesquisadores da imigração italiana no Rio Grande do Sul não se constituíram em elemento privilegiado para aqueles colonos. As publicações e discursos naturalizados dão conta de que o imigrante italiano pouco teria se importado com a instrução de seus filhos e que, eles próprios em sua maioria, seriam analfabetos. Entretanto, ao consultar fontes primárias como o primeiro recenseamento realizado nas Colônias Conde d'Eu e Dona Isabel2 , no ano de 1883, percebe-se que especialmente homens, declararam em sua grande maioria serem alfabetizados, perfazendo uma média de 74% dos homens adultos. Informa Giron que a partir do levantamento dos Mapas Estatísticos da Colônia Caxias "63% dos imigrantes de sexo masculino sabiam ler, enquanto apenas 37% das mulheres eram alfabetizadas."3  Os dados levam a crer que o índice de analfabetismo multiplicou-se nas colônias entre os filhos de imigrantes, que não tinham onde estudar.

Válido lembrar que as colônias da Serra Gaúcha foram ocupadas por italianos provenientes em sua maioria da regiões do norte da Itália, onde as políticas públicas desde muito se preocupavam com o processo de escolarização. Grosselli informa que na região de Trento, em 1880, as pessoas analfabetas com mais de 6 anos de idade eram cerca de 14,5% do total da população sendo 12% entre homens e  16% entre as mulheres. Acrescenta que a obrigação de frequência escolar dos  6 aos 12 anos estava em vigor desde 1774 e foi estendida a obrigatoriedade até os 14 anos em 18694.  Certamente não migraram para a Região Colonial Italiana apenas trentinos mas, a situação escolar assemelhava-se nas demais regiões do norte, em especial aquelas que estiveram sob domínio Austro-Húngaro.

As iniciativas para o desenvolvimento da instituição escolar precisam ser compreendidas dentro do contexto histórico e cultural em que se processou a ocupação daquelas regiões. É necessário recordar ainda que a educação dos indivíduos era concebida como responsabilidade e ação dos princípios familiares, religiosos bem como os escolares.
Observando a legislação que orientou a ocupação das colônias temos o Regulamento de 1867 como normatizador. Este regulamento determinava, como função pública, a criação de escolas  nos núcleos coloniais. As poucas escolas criadas  nas colônias atendiam  apenas às crianças que viviam nas proximidades. As demais cresciam em plena "ignorância da arte escrita", relatavam as autoridades. Para compreender as diferentes iniciativas e modalidades escolares do período de 1875 a 1930 é importante analisar as escolas comunitárias étnicas, as escolas públicas e as escolas confessionais em tópicos específicos.

As escolas comunitárias étnicas

Conforme o estudo realizado por Schneider, durante a década de 1870 a instrução pública, no meio rural, era muito precária. Ela não podia ser regulada pelas mesmas normas que a maioria das escolas da Província, já que os filhos de imigrantes falavam dialetos diferentes e os professores não poderiam ensinar se não compreendessem o que seus alunos falavam5.  Surgia, então, um grande problema: onde conseguir professores que compreendessem os dialetos italianos, dominassem o idioma nacional e se dispusessem a deslocar-se até as colônias e ali permanecerem para ministrar suas aulas?

Para solucionar essas dificuldades, o Governo passou a incentivar a criação de aulas particulares, através de seu órgão, a Inspetoria Especial de Terras e Colonização. O ofício de julho de 1878, comunicava aos diretores das colônias que o Governo deixara o estabelecimento das aulas para a iniciativa dos particulares. Entretanto, continuava contribuindo com 25$000 mensais quando o número de alunos passasse de 15, e mais 1$000 por cada aluno que ultrapassasse esse número, contanto que não excedesse a importância com que abonava os professores nomeados6.   No ano anterior, em 6 de agosto de 1877, o Ministro da Agricultura mandara um aviso comunicando aos professores particulares existentes ou aos que se estabelecessem nas colônias que os diretores também deveriam providenciar a construção das escolas, se houvesse mais de trinta alunos.7

Neste sentido, existiram muitas iniciativas por parte dos próprios pais e da comunidade que criava “aulas” onde o professor era pago para que ministrasse os conhecimentos básicos na leitura, escrita e cálculos. Conforme o imigrante Júlio Lorenzoni, estabelecido em Dona Isabel:

"A absoluta falta de escolas do Governo Brasileiro obrigava o colono a escolher as pessoas mais aptas para ensinar a ler, escrever e fazer contas àquela mocidade toda, sob pena de criarem-se na maior ignorância, verdadeiramente analfabetos. Precisavam então conformar-se com o melhor que houvesse, pois não eram professores formados os que iam lecionar, mas sim os que, na Itália, tivessem recebido uma razoável instrução e que, mediante módica retribuição, se sujeitassem a desempenhar a árdua tarefa de mestre, o que procuravam fazer da melhor maneira."8

Entre os imigrantes havia alguns professores com formação em sua terra natal, mas seu número era insuficiente para suprir a carência / necessidade de escolas. Conforme Giron "(...) entre os imigrantes da Colônia Caxias, apenas quatro se identificaram como professores, sendo os responsáveis pelas primeiras escolas particulares regionais. Foram eles Giacomo Paternoster, Abramo Pezzi, Clemente Fonini e Marcos Martini."9

Essas iniciativas foram muito comuns no interior das colônias. Diversos foram os casos em que as famílias de imigrantes uniram-se para empreenderem em mutirão a construção da escola, geralmente uma pequena casa de madeira rústica, apesar de, nos primeiros tempos estas aulas terem funcionado na própria casa do professor ou na casa das crianças.

Já nas primeiras décadas do século XX estas aulas foram desaparecendo pela dificuldade dos pais manterem o investimento (em especial pelo elevado número de filhos), pelo crescimento de ofertas de escolas de outras modalidades ou pela própria desistência do professor mediante parcas remunerações (o que por vezes era feito em espécie – feijão, trigo, milho...).

As autoridades italianas, como os cônsules, preocupavam-se com a falta quase absoluta de instrução nos núcleos coloniais. É possível encontrar em todos os relatórios consulares registros que retratam a situação das colônias mencionando a falta de escolas e a necessidade do governo italiano intervir, passando a apoiar a educação, enviando livros e material escolar.

Enrico Perrod, cônsul italiano em Porto Alegre escrevia em seu relatório de 1883 que sua visita às colônias da serra tinham como um dos intuitos principais formar um juízo do estado intelectual e das aspirações que nutriam quanto à instrução aqueles colonos.10  Enumera que os colonos lhe fizeram, em sua visita, dois pedidos apenas: estradas e escolas, já que o que estes podiam fazer a respeito já o tinham feito. Referindo-se aos custos para a instrução, constatava que os valores eram elevados:

"(...) o dinheiro ainda é raro e o preço dos livros elevadíssimo. Um abecedário  custa 500 mil réis (1,25 liras), uma pequena gramática, 1 mil réis (2,50 liras), e um simples livro de leitura, entre 2, 50 e 5,50 liras. (...) Sobre uma média de rendimentos calculada em 300 franco ao ano, segundo meus cálculos, cada pai reserva pois, cerca de 60 a 70 francos para a instrução dos filhos. E que pediram a mim? Não subsídios pecuniários, mas livros escolares." 11

Perrod afirmava que seria uma calamidade permitir que a instrução elementar se extinguisse nas colônias e, nada havia de se esperar das escolas brasileiras já que as aflições e lamentos em relação àquelas eram constantes por parte dos colonos. E, referindo-se exclusivamente à colônia Dona Isabel, informava:

"Em Dona Isabel há uma escola pública onde leciona uma senhora, mas a maior parte dos pais retiram dela seus filhos, e os enviam para a de um professor italiano, de quem vi o diploma de licença ginasial, e outros certificados de elogio dados pelas autoridades municipais italianas. Cada criança paga mensalmente 1 mil réis para frequentar as aulas. Na Linha Palmeiro há também uma escola, mantida com grandes dificuldades pelos próprios colonos. O professor chama-se Santo Bolzoni. Dele também vi os diplomas e certificados recebidos das autoridades municipais italianas. Na verdade, é desoladora a situação destes professores. Sabem que são mais cultos, e mesmo assim, embora trabalhem tanto quanto os demais colonos, encontram-se na impossibilidade de fazer a menor economia. Conseguem apenas sobreviver, enquanto muitos de seus concidadãos, em breve tempo, conseguem um modesto patrimônio. De outro lado, como estes concidadãos jamais pagaram diretamente o professor, agora fazem dificuldades em tirar de suas duras fadigas uns 60 ou 70 francos anuais para a instrução de um filho, ou 150 francos, para quem possui mais de um."12

As autoridades italianas buscavam incentivar a criação de escolas pela iniciativa dos colonos. Em 1882, haviam criado, em Dona Isabel, a Sociedade Artística de Mútuo Socorro, que contava inicialmente com 40 sócios. Através do incentivo de Enrico Perrod, em 1883, no ano seguinte surgiu uma escola italiana. Lorenzoni descreveu-a afirmando que:

"Seu primeiro mestre foi o senhor Isidoro Cavedon, que residia na Linha Santa Eulália e o Inspetor Escolar era o Reverendo Padre João Menegotto, pároco local (...) Devido, ao ordenado mínimo que lhe era outorgado, e também  à distância que o separava da família, pouco depois pediu sua demissão sendo substituído pelo senhor Santo Bolzoni."13

O terceiro professor da escola italiana, mantida pela Sociedade de Mútuo Socorro, foi o próprio Júlio Lorenzoni. Em suas memórias Lorenzoni relata a situação escolar da época:

"Prestei o devido exame perante o Inspetor Escolar e mais dois membros, no dia doze de maio daquele mesmo ano. Na sessão ordinária da sociedade, realizada no dia dezenove  do mesmo mês fui aprovado para desempenhar provisoriamente o cargo de professor elementar, nas mesmas condições do meu antecessor, a saber: trinta mil-réis mensais. Tinha a obrigação de dar aulas cinco horas por dia (menos os festivos) e servir, ao mesmo tempo, de secretário da Sociedade. (...) No primeiro dia de junho abri minha escola, atendendo a nada menos que cinqüenta alunos. O local da escola, ao mesmo tempo sede da Sociedade, era uma espaçosa sala, na propriedade do senhor Henrique Enriconi, bem arejada e com luz suficiente. (...) Depois de três meses, o meu ordenado de professor foi aumentado de dez mil-réis e, com esse mísero pagamento, desempenhei o árduo serviço até dezembro de 1889.

Naquela ocasião, era nomeado para as funções de agente postal e deixava o meu cargo com o senhor Alberto Bott, que me substituiu. Recordo ainda, com viva satisfação, que, durante todo o tempo desempenhei o magistério nessa ex-colônia ( cinco anos e sete meses), sempre tive uma freqüência média superior a quarenta alunos e pude constatar que muitos desses conseguiram tirar grande proveito dos ensinamentos que, com verdadeira paixão à arte de ensinar, procurei ministrar-lhes.” 14

Informava ainda que naquela época haviam sido criadas quinze  escolas italianas mistas nas diversas linhas, todas, porém, dependendo da Sociedade, que era quem se interessava pelo seu funcionamento e que distribuía-lhes os parcos recursos que possuía. O Real Consulado Italiano de Porto Alegre encaminhava à Sociedade Rainha Margarida o que esta necessitava em livros e meios para atender professores e alunos, tudo proveniente do Governo da Itália. A média da população escolar naquela época era de cerca de quinhentos alunos. Os subsídios às escolas rurais, por parte da Sociedade, durou até fins de 1894, quando uma a uma foram sendo fechadas, por abandono de parte das autoridades consulares, suspendendo os subsídios, e pela falta de recursos da Sociedade para manter em funcionamento tantas aulas.15

Os subsídios fornecidos pelo governo italiano para estas escolas constituíam-se na remessa de livros didáticos e materiais de ensino sendo que não previa o pagamento dos professores, que deveriam contar apenas com as mensalidades dos alunos.

No ano de 1884, Pascoale Corte, também cônsul, visitou novamente as colônias e referiu-se à situação da instrução em Dona Isabel:

"A colônia possui na sede uma sociedade italiana de mútuo socorro, com 85 sócios e um capital de reserva de cerca de 2 mil francos.(...) Esta sociedade abriu uma escola italiana que conta com cerca de 60 alunos , de ambos os sexos. Há também uma escola pública mista, mantida pelo governo e uma banda de música, organizada por diletantes italianos. Nas várias linhas, contudo, talvez por falta de professores, a instrução é bastante descuidada, embora depois de minha visita me tenha sido prometido em diversas linhas, principalmente na Palmeiro, que serão abertas escolas, pagando os colonos uma mensalidade aos professores." 16

Outro relatório, de Eduardo de Brichanteau, de 25 de março de 1892 noticiava que existiam 7 escolas públicas das quais 2 eram na sede e 5 nas linhas. Estas escolas, segundo ele, eram pouco frequentadas  pelos filhos dos colonos, que preferiam as italianas. Estas também perfaziam um total de 7 sendo muito frequentadas- especialmente a da sede. Brichanteau afirmava que os alunos eram em sua maioria nascidos no Brasil, sendo apenas 7% os italianos. Na escola italiana mantida na sede pela Sociedade de Mútuo Socorro Regina Margherita  as aulas eram gratuitas para os filhos de sócios já que o subsídio público era suficiente para o pagamento dos professores. A sociedade cedia o local, os móveis e arcava com pequenas despesas. Nas outras escolas étnicas cada aluno pagava em média 500 réis mensais.

As “escolas italianas” foram importantes na manutenção da língua e do culto da Itália como a pátria dos filhos dos imigrantes. A importância do professor como elemento de  ligação entre os imigrantes, a cultura e língua italianas foi reconhecida pelo governo da Itália, que no final do século XIX designou o professor-agente, com o objetivo de fazer a ligação entre os imigrantes e as autoridades consulares italianas.17 

Os relatórios que referem-se ao processo escolar em Bento Gonçalves e que tornam-se fonte fundamental são os elaborados por Luigi Petrocchi. Ele veio como professor subsidiado pelo  Governo Italiano e serviu de agente consular na região entre os anos de 1903 e 1909 (pelas informações obtidas). Em seu relatório de 1903 noticiava:

"A nova escola italiana adquire sempre mais simpatia mesmo entre as autoridades do país. No corrente ano, na seção de trabalhos femininos, estavam inscritas 9 crianças filhas de brasileiros. Em 2 anos de vida, a escola deu um pouco de instrução a mais de 100 analfabetos e  conseguiu obter frequência máxima mesmo de filhos de gente que sempre se mostrou cética em matéria de instrução."18

Em outro relatório, de julho de 1904, Petrocchi  afirmava:

"Geralmente é reconhecida a importância da escola italiana neste estado, visto que só por meio da escola mantém-se vivo o culto das memórias pátrias, cultivam-se o espírito e a mente, difundem-se a língua e a cultura italiana. O envio de outros professores-agentes, da parte do governo italiano, continua a ser vivo desejo de todos os compatriotas que vivem nos vários centros coloniais. E mesmo os brasileiros, que com justa razão querem conservar e difundir seu idioma, sua literatura e seu sentimento de nacionalidade, não se opõem a que nossos colonos enviem seus filhos à escola italiana, pelo contrário, admiram esta escola, estuda o método didático que nela é adotado e vêm assistir os exames. Deixam a cada um total e plena liberdade de manifestar seus sentimentos patrióticos, e tomam parte, sem constrangimento, nas festas de caráter italiano.(...) As escolas públicas, colocadas sob a fiscalização direta do intendente e dos conselheiros, são mantidas pelo Estado. Em todo o município há 18 escolas públicas, das quais 9 são masculinas, 2 femininas e  7 mistas. As escolas italianas, subsidiadas pelo governo da Itália com material didático, chegam a 24, somadas aqui também as que foram abertas no corrente ano."19

Em dezembro de 1905, Petrocchi escrevia novo relatório, afirmando que a instrução deixava muito a desejar pois em todo o território havia apenas 18 escolas públicas brasileiras e cerca de duas dezenas de pequenas escolas italianas, dirigidas estas de boa vontade por  imigrantes que, pouco se importando com sacrifícios e privações de toda a sorte, ensinavam o que sabiam e como podiam, sem ao menos terem a certeza de poderem cobrar ao final do mês o mil réis de que tinham direito. Comentando sobre a situação daqueles professores:

"Estes pobres párias além de lutar contra as grandes dificuldades causadas pela falta absoluta de material escolar, especialmente livros de leitura, que os colonos consideram objetos de luxo, devem ainda, seguidamente, despojar-se da autoridade de ensinadores ante os próprios alunos."20

Petrocchi como professor agente relata em 1905 a desconfiança com relação à iniciativa de uma escola com ensino em italiano e as conquistas obtidas:

"Quando, em 1901, foi fundada a escola "Petrocchi" na vila de Bento Gonçalves, alguns procuraram obstaculizá-la de todas as maneiras, porque suspeitavam que nos auxílios que o governo italiano lhe garantira supunham esconder-se alguns fins políticos ocultos. Afirmavam que a existência de escolas italianas no Brasil era um grande empecilho para a formação e afirmação mais vigorosa da nacionalidade brasileira. Duvidavam que a nacionalidade e a soberania brasileira não viessem a ser abaladas pelo ensinamento da história e de línguas  estrangeiras ministrado aos filhos de colonos italianos. Para eles, não se deveria estudar nada além da língua portuguesa. Em pouco tempo os temores desapareceram. Ninguém mais tentou opor-se à escola italiana, quando se percebeu que ela não era um foco de política hostil, mas um local onde se ensinava a amar a pátria de origem e a de adoção. Tal escola, juntamente com as outras, respondia à missão regeneradora da juventude, a qual, sem instrução, acabaria por viver uma existência brutalizada e não constituiria um povo orgulhoso de bom nome de sua pátria de origem."21

Com o incremento do ensino público e as iniciativas dos institutos religiosos, já no início do século XX as escolas italianas iam aos poucos desaparecendo. Conforme Giron, “na década de 1920, das escolas italianas poucas sobreviviam em alguns municípios da  região colonial, porém em vias de extinção, sendo mal vistas pelo governo estadual e mal assistidas pelo governo italiano.” 22

As escolas confessionais

O universo cultural que se constituiu nas antigas colônias italianas da Serra Gaúcha foi dominado pela Igreja Católica. Poderíamos dizer que em nenhuma outra região houve maior poder da Igreja – os religiosos dirigiam a cultura regional por meio de seus seminários, internatos  e escolas. Determinavam condutas sociais e a opinião pública  através de seus periódicos, seus sermões e pregações. Influenciaram os rumos políticos. A Igreja foi o centro para a organização cultural – constituindo-se não apenas como lugar para o culto mas  o espaço para onde convergiam as relações sociais, econômicas e culturais das comunidades.

A partir de meados de 1890 houve grande crescimento nas iniciativas de entrada e instalação de congregações religiosas na  região colonial que investiram  na construção de seminários e noviciados. Conforme Giron, “enquanto os seminários e noviciados procuravam futuros religiosos entre filhos de colonos italianos na zona rural, as congregações religiosas instalaram-se na zona urbana, servindo as camadas médias da população. Mantidas pelas mensalidades dos alunos foram responsáveis pela formação de mão-de-obra capacitada para  a nova realidade econômica do Brasil.”23

Em Bento Gonçalves, a primeira escola confessional foi uma iniciativa das Irmãs do Puríssimo Coração de Maria com a fundação do Colégio Sagrada Família, em 1898, em Monte Belo. Outra iniciativa, das Irmãs de São José, se fez a  partir de 1906 em Pinto Bandeira com a abertura do Colégio São José. Por fim, na vila, em 1915 com as Irmãs Scalabrinianas. Em toda a região foram inúmeras as escolas  e certamente, a educação e a formação proporcionadas para aqueles que puderam frequentar as escolas confessionais constituíram-se em diferenciais e a presença das mesmas na comunidade regional significou um avanço cultural.
 

As escolas públicas

As administrações coloniais tentaram amenizar o problema do ensino com a criação de escolas nas sedes dos núcleos coloniais. Em 1876, o diretor João Jacintho Ferreira,  dirigia um ofício à Inspetoria Especial, notificando a existência, nas duas colônias (Conde d´Eu e Dona Isabel),  de escolas para ambos os sexos24.

No ano seguinte, 1877, o diretor de Dona Isabel, Pedro Albuquerque  Rodriguez, afirmava que, em uma  sala da casa da diretoria, funcionava uma aula mista de primeiras letras, enquanto não ficasse pronta a escola. Nessa aula estavam matriculados sessenta e um alunos que a freqüentam regularmente25.  Alertando sobre a situação precária do ensino e a necessidade de se criar novas escolas, dizia o diretor de Dona Isabel:

"Esta única aula não satisfaz a necessidade que há de propagar-se a instrução rudimentar entre os colonos, por causa das grandes distâncias. É de conveniência abrir uma escola em cada linha, já a bem da instrução dos colonos, já  pela economia de tempo que resulta para o expediente da diretoria, pois estimando a relação entre colonos inteiramente analfabetos e os que apenas sabem ler e escrever, em 10%, indispensável é ao diretor, para satisfazer as exigências da Repartição de Fazenda, a perda de muito tempo todas as vezes que for mister a assinatura de um documento qualquer."26

Em 03 de abril de 1877 em carta escrita pelo Inspetor Especial de Terras e dirigida ao Inspetor Geral ressaltava a necessidade de criarem-se escolas nas colônias pois as poucas que existiam nas povoações não podiam (devido a topografia e aos transportes) atender a todas as crianças. E complementava:

"Mas há ainda uma razão social e de Estado que aconselha a imediata organização do serviço escolar: é assimilar estes milhares de estrangeiros às nossas instituições é preciso fazer dos seus filhos brasileiros que amem o seu país, vemos em São Leopoldo, em cujas linhas vivem milhares  de brasileiros que não falam o idioma do país e  não conhecem nenhuma das nossas leis ou instituições. Seria uma crueldade e uma imprevidência não atacar o mal no princípio: as economias que quiséssemos fazer neste ramo vingar-se-ião cruelmente mais tarde sem dúvida alguma." 27

Os comentários e alertas foram muitos e algumas autoridades mencionavam o perigo de surgirem, dentro do país, regiões totalmente alheias à cultura, às leis e mesmo aos costumes do Estado em que os imigrantes estavam vivendo agora, já que a maioria das crianças cresceria sem o mínimo de conhecimento da língua e do idioma nacional.

No ano de 1885 as regiões de colonização foram visitadas pelo engenheiro Manoel Maria de Carvalho, Ajudante da Inspetoria Geral das Terras e Colonização. Entre outras observações o mesmo registrou sobre a instrução:

"A instrução primária nestas colônia foi entregue à província depois da emancipação, tendo estado antes desse ato a cargo do Governo Geral. É presentemente muito deficiente, pois para servir a tão densa população, existem somente as poucas escolas abaixo descritas, havendo várias e extensas linhas de lotes com milhares de crianças sem um único professor.

A instrução particular quase não existe havendo em algumas linhas um ou outro colono que, mediante insignificante retribuição dada pelos pais, mal ensina a ler, escrever e contar aos meninos. Na sede de Dona Isabel, em casa do Estado, de alvenaria de tijolo, bem conservada e com as necessárias acomodações, há uma escola promíscua 28, regida por um professor provincial.

(...) Nas escolas provinciais ensina-se a língua portuguesa e nas particulares a italiana, convindo observar que não há oposição, antes desejo dos colonos italianos, que os seus filhos aprendam o nosso idioma. (...)

A nova colônia Alfredo Chaves bem como várias e importantes linhas de Conde d'Eu e Dona Isabel não dispõe ainda de um única escola, tendo, entretanto, cada uma daquelas linhas mais de 3000 habitantes. O Governo Geral não pode deixar de auxiliar a instrução colonial principalmente desde que a província não o faz convenientemente. (...)" 29

Mesmo com todos os alertas e preocupações reveladas nos relatórios encontrados seja por parte de autoridades ou dos próprios imigrantes quanto à necessidade de maior implementação de escolas pouco se fez até 1889. A partir da Proclamação da República o ensino público passou a receber maiores investimentos e houve uma breve expansão da oferta de vagas em escolas públicas subvencionadas pelo Estado na Região Colonial Italiana.

Relatando sobre as condições de Bento Gonçalves em 1906, Lorenzoni destaca que:

"Essa indolência que se nota especialmente nos moços é resultado de uma educação falha, excesso de liberdade, da falta absoluta de pessoas que se interessem em fundar, nestes centros, escolas, cátedras ambulantes de agricultura, fomentando ao mesmo tempo as pequenas indústrias, que da mesma fossem derivadas. Eis, precisamente, porque sempre me interessei muito para que nosso município, que é, a bem dizer, centro da colônia italiana, pudesse ser fundada uma escola que fosse dirigida por Padres Salesianos."30
 
A organização do ensino público municipal ocorreu apenas a partir de 1912 através de determinação da Secretaria do Estado dos Negócios do Interior e Exterior de Porto Alegre. Os dados informados eram alarmantes: em 1910, Bento Gonçalves tinha um total de 18744 habitantes e, destes,  11086 eram analfabetos, ou seja, 59% da população, segundo os registros da Intendência Municipal. Em 1914, em questionário remetido à Secretaria de Estado a intendência de Bento informava que cerca de 3500 crianças em idade escolar eram analfabetas e estavam privadas do acesso à escola31.  Os motivos foram diversos – a evasão, a repetência, a falta de incentivo pelas condições materiais das famílias e mesmo a pouca importância dada por alguns ao estudo dos filhos, conforme a documentação oficial.

Nos anos de 1908/1909 houve intensa mobilização pela conquista de um colégio elementar público. Entre os ofícios enviados pela Intendência de Bento Gonçalves, destacamos o que segue por ser revelador das necessidades educacionais do período:

"Em 21 de dezembro de 1909. Il. Exmo. Sr. Dr. Presidente do Estado.(...) Tomo a liberdade de vir perante V. Ex. em nome dos interesses da instrução pública e a mais ardente aspiração dos moradores da vila de Bento Gonçalves, solicitar a criação de um colégio elementar para cujo funcionamento de suas respectivas aulas esta intendência oferece o edifício necessário que comporta seus espaçosas salas, podendo estas serem subdivididas em caso de necessidade, edifício este nas condições higiênicas. Fazendo a instrução a  base especial a formação de bons cidadãos, úteis à Pátria, ao seu desenvolvimento, e sendo a população escolar numerosa na sede e no município, como demonstra o último mapa estatístico enviado à Inspetoria Geral da Instrução Pública, confiante, se dignaria V. Ex. atendendo a um tão justo pedido proporcionará  a criação do referido colégio. Além deste pedido venho expor a V. Ex. outras necessidades além da instrução pública. Estando as aulas públicas do município desprovidas dos indispensáveis móveis,  pediria, também a V. Ex., dignasse autorizar  a confecção ou a remessa dos mesmos dessa capital, a fim do bom funcionamento dessas aulas, Outrossim, peço o provimento de quatro aulas vagas (...) que no corrente ano atravessam sem professor em prejuízo de um grande número de alunos, que se  poderá computar o número superior a 200, que ficaram privados de receber  instrução tão necessária, sobretudo neste meio, onde o elemento predominante é o Italiano e os seus filhos, sendo brasileiros, desconhecem por completo o idioma de sua Pátria nativa. Certo pois da boa vontade e grande interesse de V. Ex. para que a instrução tenha sua completa difusão, espero tomar em consideração tão justa reclamação providenciando em bem servir os interesses de vosso Rio Grande. Saúde e Fraternidade. Antônio Joaquim Marques de Carvalho Júnior, Intendente."
 
A partir de 1909 o Colégio Elementar passou a funcionar junto ao prédio da Prefeitura e foi oficializado em 1915. Para os municípios a conquista de um Colégio Elementar era um avanço para a educação, mesmo que não tenham sido suficientes para atender a demanda escolar existente, viabilizaram melhorias na própria qualidade educacional.

Encontramos ao longo da pesquisa petições, solicitando a instalação de escolas, mas nem sempre eram atendidos.

"Tenho a  honra de  apresentar a V. Ex. a inclusa petição que fazem os colonos das linhas Santa Clara, da extinta colônia Santa Maria da Soledade. Sendo uma das mais antigas partes da colônia  Conde d'Eu, e tendo os seus habitantes extrema falta de uma escola, reúne esta Diretoria os seus votos em favor do justo pedido que a V. Ex. fazem" 33

Essas petições contradizem em parte as poucas referências existentes sobre o processo educacional entre imigrantes italianos estabelecidos nas colônias gaúchas. A atenção dada à produtividade e ao crescimento econômico binariamente combinado com a religiosidade são constantes focos de explicação para o universo cultural daqueles grupos. Entretanto, pelas fontes consultadas, essas explicações são limitadas. Conforme os dados apresentados no Álbum do Cinquentenário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, as escolas em 1925 eram as seguintes:

 Município         Esc. Estaduais Esc. Municipais Esc. Particulares Total
Caxias do Sul      13                77                 16                   106
Bento Gonçalves   4                30                  3                     37
Flores da Cunha    -                10                  1                     11
Garibaldi             17                41                  2                    59
Antônio Prado       3                  -                  5                      8
Veranópolis          1                   -                 4                      5
Total                 38                158                31                   225
Fonte: Cinquantanario della colonizzazione italiana nel Rio Grande del Sud.34 

Pensando-se na quantidade de população que habitava estes municípios e o número de escolas, percebe-se que passados 50 anos do início do estabelecimento dos imigrantes estas eram insuficientes para atenderem em especial as zonas rurais.

No caso do RS, ainda não se realizou estudos aprofundados  e específicos sobre esta temática. Temos importantes estudos acadêmicos sobre a educação entre imigrantes italianos que se estabeleceram em outros estados como São Paulo e Paraná que podem ser interessantes para contrapor com o aprofundamento deste primeiro estudo.

Notas

1  COSTA, Rovílio. Imigração Italiana: vida, costumes e tradições. Porto Alegre: EST, 1974, 1986. p. 76.
2  Recenseamento da Colônia Conde d'Eu e Dona Isabel em 1883, Arquivo Histórico e Geográfico de Montenegro.
3  GIRON, Loraine Slomp. Colônia Italiana e Educação.  In: Revista  História da Educação. Pelotas: UFPel, n º 3, vol. 2,  set. 1998, p. 90.
4  GROSSELLI, Renzo M.. Noi tirolesi, sudditi felici di Don Pedro II. Porto Alegre: EST edições, 1999, p. 53.
5  SCHNEIDER, Regina Portela. A instrução pública no Rio Grande do Sul (1770 - 1889). Porto Alegre: ed. Universidade/UFRGS/EST edições. 1993. p. 356.
6  Ofício n.  218, da Inspetoria Especial de Terras e Colonização para os diretores de núcleos coloniais em 01/07/1878. Lata 280, maço 09, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
7  Ofício  da Inspetoria Especial de Terras e Colonização enviado para todos os diretores de colônia em 15/09/1877. Lata 280, maço 09, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
8  LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Tradução Armida Lorenzoni Parreira. Porto Alegre: Sulina, 1975. p.126.
9  GIRON, Loraine Slomp. Colônia Italiana e Educação.  In: Revista  História da Educação. Pelotas: UFPel, nº 3, vol. 2,  set. 1998, p. 90.
10  DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento Gonçalves: FERVI, 1985, p. 26 e 27.
11  Id. Ibidem, p. 27.
12  Id.ibidem, p. 33 e 34.
13  LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Porto Alegre:  PUCRS / Sulina, 1975. p. 123 e 124.
14  Id.ibidem, p. 123 e 124.
15  Id.ibidem, p. 124 a 126.
16  DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento Gonçalves: FERVI, 1985, p. 42.
17  Id.ibidem, p. 71.
18  DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento Gonçalves: FERVI, 1985, p. 68.
19  Id.ibidem, p. 71 e 74.
20  Ib.ibidem, p. 112.
21  DE BONNI, Luis A. Bento Gonçalves era assim. POA:EST / Caxias do Sul: Correio Riograndense / Bento Gonçalves: FERVI, 1985, p. 113.
22  GIRON, Loraine Slomp. Colônia Italiana e Educação.  In: Revista  História da Educação. Pelotas: UFPel, nº 3, vol. 2,  set. 1998, p. 92.
23  GIRON, Loraine Slomp. Colônia Italiana e Educação.  In: Revista  História da Educação. Pelotas: UFPel, nº 3, vol. 2,  set. 1998, p. 92.
24  Relatório do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1876, pág. 456.
25  Relatório da Colônia Dona Isabel e Conde d'Eu em 1878, elaborado pelo diretor Pedro Albuquerque Rodriguez  para a Inspetoria Especial de Terras e Colonização. Lata 280, maço 09, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.
26  Id.ibidem.
27  Carta enviada pelo Inspetor Especial de Terras ao Inspetor Geral de Terras e Colonização em 03/04/1877, maço 08, lata 280, AHRGS.
28  Escola Promíscua - referência a escola mista, frequentada por meninos e meninas.
29  Relatório do eng. Manoel Maria de Carvalho, Ajudante da Inspetoria Geral das Terras e Colonização, 1885.
30  LORENZONI, Júlio. Memórias de um imigrante italiano. Porto Alegre: ed. Sulina, 1977, p. 218.
31  Dados retirados do Livro de Estatísticas da Intendência Municipal  de Bento Gonçalves – Arquivo Histórico de Bento Gonçalves.
32  Dados retirados do Livro de Estatísticas da Intendência Municipal  de Bento Gonçalves – Arquivo Histórico de Bento Gonçalves.
33  Ofício enviado pelo diretor das Colônias Dona Isabel e Conde d'Eu, Joaquim Rodrigues Antunes em 17/04/1884, ao Presidente da Província, Conselheiro José Julio de Albuquerque Barros. S A 52, AHRGS.
34  CROCCETA, Benedeto. Vita coloniale: i datori di oro. In: Cinquantanario della colonizzazione italiana nel Rio Grande del Sud. Porto Alegre: Globo, 1925, p. 406.