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Italiano ou Talian?

Por Alcione Jacques Maschio*

Italiano ou Talian? Num primeiro momento seria muito fácil explicar um e outro: o primeiro trata-se da língua oficial da Itália e o segundo surgiu do encontro dos diferentes dialetos vindos com os imigrantes italianos a partir de 1875 (no Rio Grande do Sul), mais a língua portuguesa e algo da espanhola.

O grupo de pesquisa da UCS, que busca fazer o inventário do Talian, observa, através da identificação de elementos culturais com suas referências, que na prática essas diferenças, entre o Italiano e o Talian, tornam-se muito tênues, difícil de separar uma da outra. Determinar o léxico do Talian, então, é ainda mais complexo.

Os descendentes de imigrantes italianos falam o Talian nos seus núcleos familiares, compõem as suas canções, contam as suas histórias, inventam anedotas, tudo sempre pensando em sua língua (que insistem em chamar de dialeto). Quando resolvem escrever, a maioria busca alguém que saiba escrever o Italiano para "passar a limpo" a sua criação. Como se a sua língua só pudesse ficar no rascunho...

Muitos textos e dicionários encontram-se escritos em Talian. A ausência deles, portanto, não é desculpa para que se continue escrevendo em italiano as coisas criadas aqui. O grande prêmio do Festival da Mentira, de Nova Bréscia, deste ano, foi entregue ao participante Edgar Maróstica que apresentou seu texto com toda a originalidade da sua língua Talian. Mais tarde, em entrevista, afirmou não apenas falar o Talian, ele pensa, sonha, realiza, vive nessa língua.

Por que buscar na Europa uma língua para expressar o que se formou aqui, já que, junto a tudo aquilo que os desterrados da Itália reinventaram na Serra sul-rio-grandense, encontra-se também uma língua? Colocam seus comércios, com o suor derramado sobre essas paisagens, e vão nomeá-los com um termo bem Italiano, escrito com letras dobradas, ao estilo bem europeu. Trabalham juntos, num sistema de troca de favores, levantam comunidades, criam grupos, clubes e oferecem aos demais da sociedade Almoços e Jantares Italianos. E o que é ainda mais contraditório: Filó Italiano.

Como assim? Se toda essa fartura de alimentos, carnes, legumes, verduras, frutas nunca existiu na Itália? Se filó é um termo inventado aqui em forma e sentido, afinal na Itália não era necessário reunirem à noite, uma vez que viviam sempre muito próximos.

Não se trata apenas de uma nova língua que se formou aqui, bem longe da Europa, em outra paisagem, outros elementos externos, outras ferramentas de trabalho, outras frutas, comidas, desejos, carências, outras pessoas. Sim, porque as pessoas que chegaram aqui já não eram mais as mesmas, a vida as transformaram, e elas transformaram a sua língua. Mas vai muito além disso, envolve todo um novo modo de viver.

As suas necessidades proporcionaram essa outra língua, esse outro modo de ser, que poderá ter outras denominações, porém Italiano não é. Talvez as pessoas pensem que a língua ou a cultura Italiana seja mais importante. Em que sentido? De tempo, pode ser. No entanto, o que foi criado aqui representa uma nova identidade: a do descendente do imigrante italiano no Brasil. Não é mais Italiano, é outro, é a identidade do homem que se superou, superando a sua antiga identidade. Não é melhor nem pior que a antiga, é apenas outra. Sabe-se que em termos de cultura a lógica perde o sentido, mesmo assim, não custa parar para pensar naquilo que deve realmente ser valorizado.

*Mestre em Letras e Cultura Regional e Pesquisadora da Universidade de Caxias do Sul
amjmasch@yahoo.com.br