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Guerra na Ucrânia e fome global 

26 países já bloquearam a exportação de matérias-primas. Inflação disparada, 2023 corre o risco de uma hecatombe alimentar. Com consequências sociais e políticas – lê-se em Affaritaliani.it.  

Depois do Covid-19 e da guerra na Ucrânia, vem o terceiro flagelo: a fome

Após a pandemia, a guerra na Ucrânia. Após a guerra na Ucrânia, a fome. O mundo está deslizando rapidamente para a nova crise, potencialmente talvez a pior porque tem implicações realmente globais, mas desiguais, portanto capazes de criar atritos e tensões em grande escala, bem como consequências imprevisíveis do ponto de vista de ordem econômica, social, política e geopolítica. As advertências das organizações internacionais sobre o risco da crise alimentar sucedem-se. Na verdade, mais do que um risco é uma certeza. A crise alimentar já existe.

De acordo com o Programa Mundial de Alimentos da ONU (World Food Programme - WFP) - prossegue o Affaritaliani.it -, o número de pessoas com tão pouco acesso a alimentos que coloca em risco imediato suas vidas ou meios de subsistência aumentou de 108 para 193 milhões, nos últimos cinco anos. Grande parte dessa “insegurança alimentar aguda”, que quase dobrou, se deve à pandemia do COVID 19, que reduziu a renda e interrompeu o trabalho agrícola e as cadeias de suprimentos; boa parte se deve ao aumento dos preços de energia e transporte à medida que os efeitos da pandemia diminuíram. A situação foi agravada pela gripe suína na China e uma série de más colheitas nos países exportadores.

Mas agora os efeitos colaterais do conflito estão levando a uma inflação sem precedentes que em breve terá consequências potencialmente dramáticas. Em março, os preços crescentes dos alimentos atingiram seu nível mais alto desde 1990. Uma das causas é que a Rússia e a Ucrânia dominam o mercado global de grãos. Em 2021, Rússia e Ucrânia foram o primeiro e o quinto exportadores de trigo do mundo, com 39 milhões de toneladas e 17 milhões de toneladas respectivamente, ou 28% do mercado mundial. Os dois países também cultivam muitos cereais usados para alimentação animal, como milho e cevada, e são o primeiro (Ucrânia) e o segundo (Rússia) produtores de sementes de girassol, o que significa que detêm 11,5% do mercado de óleos vegetais. Coletivamente, eles fornecem quase um oitavo das calorias comercializadas globalmente.

Fome global e crise alimentar: os números dramáticos

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de 50 países dependem da Rússia ou da Ucrânia, ou de ambos, para mais de 30% de suas importações de grãos; para 26 deles o valor ultrapassa os 50%. Os agricultores normalmente teriam um incentivo para ficar sem estoque antes da colheita, quando os preços geralmente caem. Mas este ano, de acordo com o Economist, é improvável que isso aconteça. Os mercados futuros prevêem que os preços do trigo e do milho permanecerão nos níveis exorbitantes de hoje até meados de 2023.

Energia e fertilizantes mais caros aumentam os preços em todos os setores da agricultura. É por isso que, segundo o semanário britânico, a inflação dos preços dos alimentos também se manifesta em matérias-primas não diretamente afetadas pela guerra. Os indicadores de volatilidade de preços compilados pelo International Food Policy Research Institute em Washington piscam em vermelho para todos os principais grãos, incluindo arroz, nos últimos dois meses, para os quais atualmente não há problemas de oferta imediatos.

Até o momento, 44 milhões de pessoas em 38 países estão em níveis de fome de emergência, a um passo da fome, e a guerra na Ucrânia está adicionando uma nova dimensão assustadora a esse quadro, com aumentos de preços de até 30% para alimentos básicos que ameaçam os países na África e no Oriente Médio, incluindo Camarões, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen. Teatros de grande incerteza e instabilidade que podem se transformar em um campo minado, levando, entre outras coisas, a um aumento exponencial das migrações econômicas e da carestia.

Da guerra na Ucrânia um efeito cascata que pode perturbar a ordem global

Nenhum país está imune aos efeitos desta crise – continua Affari.it. Desde o início da guerra, 26 países, do Cazaquistão ao Kuwait, declararam severas restrições às exportações de alimentos, que cobrem 10% das calorias comercializadas globalmente. A Índia, citada por muitos como uma possível alternativa à Rússia e à Ucrânia, também impôs uma proibição à exportação de grãos, embora tenha declarado que abrirá exceções para países específicos que precisam. As várias medidas cobrem 15% das calorias trocadas em todo o mundo. Mais de um quinto de todas as exportações de fertilizantes são limitadas. Se o comércio for interrompido, levará à fome.

Mas há quem pague as consequências mais diretamente do que outros. Na África Subsaariana, por exemplo, os cereais representam uma parte maior desses orçamentos do que nos países mais ricos. Muitas dessas economias estavam em más condições bem antes da chegada da crise alimentar. Em toda a África Subsaariana, a produção permanece substancialmente abaixo do nível que teria alcançado se as tendências pré-pandemia tivessem continuado. Nessas condições, os governos são incapazes de ajudar seus cidadãos a superar um choque alimentar.

As consequências são intuitivas. Protestos e tensões sociais, com imensos riscos do lado político. Já em vários países africanos e não só entraram em tumultos por inflação, mas também no Oriente Médio e na América Latina. A instabilidade alimentar significa instabilidade social, mas também instabilidade política e geopolítica, com uma possível exacerbação das tensões entre cidadãos e governos, mas também entre governos de diferentes países, para não falar das previsíveis ondas migratórias.

Depois do vírus e das armas, uma nova ameaça dramática corre o risco de vir. E vacinas ou mísseis não serão suficientes para resolvê-la. Affari.it