Limitar a cidadania italiana a descendentes de 3ª geração
Projeto no Senado italiano cria novas regras para cidadania por direito de sangue. Há razões para se preocupar?
Por Mathias Iserhard Haesbaert
Transmissão da cidadania por sangue até a terceira geração e condicionada ao conhecimento da língua italiana. É esta a intenção de uma proposta legislativa que tramita no Senado italiano desde o dia 7 de junho de 2023, por iniciativa do senador do partido Fratelli d’Italia, Roberto Menia.
A proposta refere-se a “disposições para a reabertura do prazo para a reaquisição da cidadania italiana” e visa modificar dispositivos contidos na Lei 91, de 5 de fevereiro de 1992. Pela proposta do senador, quando se tratar de terceira geração (e seguintes) de descendentes, a cidadania somente poderia ser reconhecida se o cidadão, mesmo dominando a língua italiana, tiver residência na Itália pelo prazo de um ano.
O senador Menia – em entrevista postada no canal “Vista Agenzia Televisiva Nazionale” - disse que a cidadania “não pode ser uma venda de passaporte”, alegando que em alguns lugares, “sobretudo na América Latina”, existe uma “verdadeira compra e venda de passaportes”.
Essa proposta poderá vingar? Devemos nos preocupar?
Em primeiro lugar, não estamos aqui diante de uma tentativa de criar uma nova lei de cidadania, mas – sim – de modificar as regras atuais. Já existem outros projetos de lei nessa matéria e até o momento nenhum destes projetos foi aprovado nem virou lei. A possibilidade do projeto de lei do senador Menia ser aprovado é pequena, nesse contexto. Inclusive a última modificação da lei da cidadania foi ocasionada por um decreto, que tem outra natureza jurídica (trata-se do Decreto Salvini, que alterou as normas relacionadas a naturalização por casamento).
Tecnicamente, o projeto é mal redigido, chega a confundir descendência com ascendência, dando a entender que quem o redigiu não tem conhecimento do assunto, já que visa modificar artigos que não guardam relação com a cidadania italiana.
A modificação proposta pelo senador Menia, se vier um dia a ser aprovada e sancionada, seria inócua para os pedidos de reconhecimento da cidadania, pois introduz condições e requisitos num artigo da Lei 91/1992 que trata de outra matéria (no caso, da cidadania de descendentes de ex-cidadãos italianos que perderam a sua cidadania antes do nascimento dos filhos).
Eventual aprovação do projeto de lei ora em exame poderia gerar polêmicas e discussões (principalmente nos consulados e comunes), mas a tendencia é que o direito dos ítalo-descendentes seja preservado.
O projeto está baseado num erro de interpretação: a obtenção da cidadania não está prevista no artigo 4º da Lei 91/1992, como crê o senador. A transmissão da cidadania, na verdade, está contemplada no artigo 1º da Lei 91/1992 (ou art. 1º da Lei 555/1912), o qual permaneceria intacto se a proposta do senador fosse aprovada.
Mas, apenas a título de raciocínio, se essa proposta (ou outra que possa a ser apresentada futuramente) fosse aprovada, qual seria a conseqüência para os ítalo-descendentes? Quem ainda não foi reconhecido italiano seria afetado e perderia o direito?
Aqui também a resposta é negativa, pois deve-se aplicar a norma em vigor no momento que se verificou o ato. A cidadania é atribuída no nascimento, portanto, vale a lei em vigor no dia do nascimento e não a lei em vigor no dia do procedimento de reconhecimento da cidadania. Vale lembrar que estamos tratando de cidadania oroginária, e não por concessão. Todas as mudanças normativas terão efeito para atos futuros, não podendo retroagir para atingir atos jurídicos já concluídos no tempo, como é o caso do estabelecimento da filiação e a automática transmissão da cidadania de pai (ou mãe) para seu filho. Afetaria pessoas nascidas após a nova lei, tão somente.
Mathias Iserhard Haesbaert é advogado ítalo-brasileiro, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (seção Rio Grande do Sul - nº 58.620) desde 2004, com larga experiência na área de cidadania italiana, onde atua exclusivamente desde 2011.
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