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David: o Gigante do Brennand

Diego Souza de Paiva*

Desde janeiro deste ano de 2011, italianos, descendentes, brasileiros e qualquer pessoa que visite a cidade do Recife terá a oportunidade de ver uma das cinco cópias do David de Michelangelo– a única da América Latina –, na entrada do Instituto Ricardo Brennand.

Num gramado circular, rodeado por bancos de praça, agora ergue-se luminosa e imponente a marmórea figura de mais de cinco metros de altura, substituindo naquele local uma outra cópia que até então ali se encontrava, a do Pensador do escultor francês Auguste Rodin. 

O David, que começou sua trajetória na história bíblica contada pelo profeta Samuel, se fez lenda, de fato, pela pedra da arma, a “funda”, da qual se valeu para derrotar o gigante filisteu Golias. A partir daí atravessou séculos e séculos, não só pela história muitas vezes reescrita e recontada, mas também através de objetos, obras de arte que se compuseram em associação com a famosa lenda. Nesses percursos, o jovem israelita que se fez notável por uma pedra se tornou também ele pedra, pela mão de grandes escultores.

Um bom exemplo da forma como a lenda permaneceu se reinventando pela mão desses artistas são as esculturas de Donatello, nas quais ele compõe o David no momento do triunfo, quando este, depois de ter derrotado o gigante filisteu, posa diante da cabeça decepada do guerreiro. A mais famosa destas, fundida em bronze (1,58cm) e composta provavelmente no ano de 1440, se encontra hoje no Museo Nazionale Del Bargello, em Florença. [Ver imagem ao lado]

Michelangelo Buonarroti conhecia a obra de Donatello, a quem admirava, assim como aos grandes escultores gregos e romanos, de quem dedicou a vida a estudar os segredos sobre a composição da figura humana. Ele faria também o seu David, ou melhor, o “libertaria” da pedra, como convictamente acreditava.

Iria esculpir o David de um único bloco de mármore, em setembro de 1501, sob encomenda da cidade de Florença – naquele ano declarada República. Depois de três anos, a estátua foi entregue e colocada em frente ao Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria, então o centro político da cidade, mantendo-se ali por mais de trezentos anos, no decorrer dos quais passou a ser conhecida como Il Gigante di Firenze, símbolo máximo da república florentina.

Sua importância se mostrou tamanha que, diante a degradação a que estava exposta num lugar ao ar livre, foi transferida, em 1873, para a Academia de Belas Artes de Florença, a conhecida Galleria dell’Accademia, onde melhor podia ser conservada e admirada. Na Accademia, foi criado um espaço especial para recebê-la, uma Tribuna da qual ela passaria a falar, maior, e por que não dizer mais viva! A partir das relações que a obra estabeleceu com esse novo espaço, se farão exposições, se produzirão catálogos, cartões postais, alimentar-se-á um turismo artístico e a história da arte ganhará mais um ícone.

No começo do século XX, uma cópia foi colocada no lugar onde originalmente havia sido posto o David, fato que nos estimula a pensar como, em diferentes lugares, uma coisa pode ser a mesma e, ao mesmo tempo, outra. Mas com a cópia algo diferente se processa: Il Gigante parece estar agora mais vivo, uma vez que com a cópia, nasce também outra coisa: o original – a cópia confere importância a algo que é digno de ser copiado e é somente na relação com aquela que este faz sentido enquanto tal.

A prática das cópias, tanto “efeito” quanto “causa” da notoriedade do David, vai nos levar ao ano de 1962 e à fundação, por Danilo Cervietti, do estúdio Cervietti Franco & Cia. Este estabelecimento vai se dedicar exclusivamente a cópias de obras famosas, contando para tal com uma equipe de artesãos especializada em desbaste, no aprimoramento de formas ornamentais e na figura humana. Dentre as réplicas ai produzidas, destacam-se obras de Bernini, Canova e, claro, Michelangelo, e entre estas últimas, a Pietà e o David.

Do jovem israelita, sairão cinco cópias, apenas cinco. Destas, uma vai para o monumental cemitério de Los Angeles, nos Estados Unidos; a segunda, para Austrália; a terceira e a quarta, respectivamente para o Museu e Fundação de arte de Taiwan; e a última, concluída no ano de 2000, e que tinha como destino inicial Curitiba, se encontra hoje na cidade do Recife.

Por fim, a partir da lenda, o viajante David atravessou e foi atravessado por artistas e objetos até chegar a se tornar “o David de Michelangelo”. Como Il Gigante di Firenze, caminhou da praça para o museu e se dispersou por meio das várias reproduções de sua imagem. E agora, através de suas cópias, ele é capaz de cruzar oceanos e está a espera de quem queira vê-lo, no Instituto Ricardo Brenannd.

*Diego Souza de PaivaGraduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e concluinte do Mestrado em História pela mesma universidade, é Historiador da ACIBRA/RN – Associação Ítalo-Brasileira do Rio Grande do Norte.

domdiegosouza@hotmail.com