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Parlamento Europeu: uma Torre de Babel que se comunica e se entende

O Parlamento Europeu foi várias vezes comparado à Torre de Babel devido ao número de línguas faladas nos seus corredores. Mas, enquanto a comunicação falhou na Torre de Babel, o Parlamento Europeu não tem esse problema. A diferença deve-se aos intérpretes: eles tornam possível que os eurodeputados falem na sua própria língua, fazendo-se entender graças à interpretação.

Os deputados são eleitos para representar os seus eleitores e não por causa dos seus dotes linguísticos. Para que o Parlamento Europeu seja completamente equitativo, todos os deputados têm o direito de escolher a língua oficial que quiserem durante as reuniões. Este direito está claramente definido no Regimento do Parlamento Europeu.
 
O PE é o maior empregador de intérpretes do mundo, com 350 intérpretes permanentes, a que se juntam cerca de 400 freelance nos períodos de maior trabalho.
 
Os intérpretes são uma presença familiar durante as reuniões parlamentares. Trabalhando a partir de cabines de som, situadas em redor das salas de reunião, transmitem de forma fidedigna a mensagem do orador nas 20 línguas oficiais da UE. Visíveis à audiência, mas sem serem o centro das atenções, eles são a voz de todos os oradores.

Fatos e números

Tudo começou com quatro línguas (francês, alemão, italiano e neerlandês), nos anos 50, quando a Bélgica, a Alemanha, a França, a Itália, o Luxemburgo e a Holanda criaram a Comunidade Européia do Carvão e do Aço. Quatro línguas representam apenas 12 combinações linguísticas, por isso a interpretação não causava muitos problemas. O gradual alargamento, até 1995, trouxe mais línguas e com elas mais complicações, especialmente em relação ao finlandês, dado que, para além dos nativos, não havia muita gente que falasse a língua. A solução foi o chamado sistema de “retour” (retroversão), traduzir a partir da língua materna para outra língua. Normalmente, os intérpretes trabalham a partir de uma língua estrangeira para a sua língua materna. Os intérpretes finlandeses foram os primeiros a fazer “retour”, em 1995.
 
A ampliação de 2004 quase dobrou o número de línguas oficiais usadas no Parlamento. Com exceção do Chipre, onde se fala grego, todos os novos Estados-Membros trouxeram as suas línguas (checo, estónio, letão, lituano, húngaro, maltês, polaco, eslovaco e esloveno). Encontrar intérpretes com as competências linguísticas adequadas não tem sido fácil, principalmente para as línguas menos faladas, como o maltês, apenas falado por 400.000 pessoas.
 
Atualmente, o Parlamento Europeu trabalha em 20 línguas, o que representa 380 combinações possíveis. O uso do sistema de “retour” aumentou, como aumentou também a interpretação "relay", sistema através do qual uma língua é traduzida para outra por via de uma terceira língua, chamada língua "pivot". À medida que os intérpretes aprendam novas línguas, mais serão interpretadas diretamente. Os intérpretes trabalham em equipas de três por cabine. A equipe completa de uma sessão plenária é de 60 intérpretes.
 
E não acaba por aqui. Com a Romenia e a Bulgária  prepararamdo-se para aderir à UE em 2007, os intérpretes já começaram a trabalhar, proporcionando aos seus compatriotas observadores a possibilidade de ouvirem os debates do Parlamento na sua língua materna. No futuro, poderá ser solicitado ao Parlamento que disponibilize interpretação em irlandês. A Croácia e a Macedónia candidataram-se à adesão à UE. Há uma proposta do governo espanhol para acrescentar o catalão, o galego e o basco à interpretação nas sessões plenárias… E assim contínua.

O domínio das línguas

Os intérpretes têm o perfeito domínio da sua língua materna e um profundo conhecimento de, pelo menos, duas outras línguas. “Para ser intérprete, é necessário gostar de línguas”, diz a intérprete alemã Gertrud Dietze, “gostar do esforço que se faz para aprender e manter o domínio de uma língua”. A maior parte dos intérpretes tem quatro ou cinco línguas de trabalho, alguns sete ou oito, e dominam-nas a fundo.  É essencial que percebam perfeitamente o que é dito, porque não têm tempo de abrir um dicionário ou de perguntar aos colegas: um/a intérprete depende unicamente de si.
 
Contudo, o conhecimento da língua é apenas uma ferramenta. A interpretação implica a transmissão da mensagem de um discurso. Muitas pessoas podem falar bem línguas estrangeiras, mas poucas serão bons intérpretes. É algo que precisa de ser ensinado.
 
Como a variedade dos assuntos abordados nos debates parlamentares é quase ilimitada, o intérprete tem de ter uma cultura geral sólida e um conhecimento aprofundado de todas as áreas de atividade da UE. Estar familiarizado com as opiniões políticas dos deputados pode ajudar o intérprete a captar as intenções do orador, para além das suas palavras.
 
Os intérpretes são comunicadores. Os seus sentimentos em relação ao que é dito são irrelevantes. “Eu faço as pessoas entenderem-se umas às outras independentemente do que disserem, mesmo que digam o contrário do que eu sustento como verdade”, afirma Dietze. “Nós somos imparciais, e isto é mais fácil para quem tem talento para a representação, para quem se consegue colocar na cabeça do orador…e seguir a mesma onda”.

Mais do que palavras

O trabalho de um intérprete não é tão fácil como possa parecer. Os deputados raramente dão conta de que os seus discursos têm interpretação simultânea para outras línguas, usando frequentemente uma linguagem colorida, piadas e trocadilhos que podem ser extremamente difíceis de traduzir. Os números, a rapidez discursiva e a leitura de notas também não facilitam a vida dos intérpretes.
 
O jogo de palavras é um dos grandes desafios do intérprete. “Há alturas em que se pode traduzir, em que se encontra qualquer coisa adequada na nossa língua, mas é arriscado porque pode ser interpretado de forma diferente das palavras originais, e os deputados que ouvem a nossa tradução podem reagir às nossas palavras, em vez de reagirem ao que o orador disse originalmente,” afirma Bernard Gevaert, um intérprete holandês.
 
O tempo de palavra muito limitado que é atribuído a cada orador durante as sessões plenárias pode ser, também, uma fonte de problemas. Como querem dizer muitas coisas, os deputados falam muito rápido, às vezes lendo notas previamente preparadas. O discurso rápido pode não ser um problema se o deputado improvisar; o pesadelo começa quando o orador lê um texto escrito.
 
 
Parte da mensagem que os intérpretes têm de transmitir é não verbal, por isso precisam apanhar as "pistas" não verbais, como o tom de voz e a linguagem corporal, o que faz com que seja indispensável que o intérprete veja o orador e a audiência para poder avaliar as diferentes reacções.
 
“Estou constantemente a observar a sala de reuniões”, diz Dietze. “É importante ver quem entra e quem sai, ou outros pormenores, como o presidente (de uma comissão parlamentar) a sussurrar ao seu assistente. Os acontecimentos podem tomar um rumo inesperado, e encontrar-nos-ão preparados se os conseguirmos antecipar".