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Dose dupla de Luigi Pirandello

Duas peças do dramaturgo italiano, inéditas no Brasil, estréiam em abril no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo. As montagens são dos grupos Cias Linhas Aéreas e Atelier de Manufactura Suspeita, que obtiveram dois prêmios de apoio à cultura (PAC e Myriam Muniz).

Como você me quer: Conta a história de uma mulher sem nome, denominada "A Qualquer Uma", que vive uma vida dupla, dividida entre sua existência de origem, como Elma, e a da Sra. Lúcia, desaparecida durante a II Guerra Mundial e procurada há dez anos pelo marido, Bruno. A trama conduz a uma reflexão sobre os dilemas da identidade, da realidade em relação às aparências e da relatividade da verdade - temas sempre presentes na obra de Pirandello. Uma das curiosidades do espetáculo é que todos os atores dividem o papel da personagem principal.

Cada um a seu modo: Nesse texto, que pertence à trilogia Teatro no Teatro (que inclui as peças "Seis Personagens à Procura de um Autor" e "Esta Noite se Representa de Improviso"), há uma troca de papéis entre espectadores, autor e atores. A peça narra uma história supostamente baseada em fatos verídicos, sobre o suicídio de um artista plástico que flagrou sua noiva na cama com seu futuro cunhado, um barão (na versão adaptada dos grupos, um diplomata português). Este último fica nervoso durante a encenação da peça – à qual ele supostamente assiste – por se reconhecer na história que está sendo contada.

A platéia assiste a um espetáculo dentro de outro. A vida real se confunde com a peça, como era a intenção inicial de Pirandello. Ao iluminar os segredos da ribalta, o dramaturgo revela os bastidores da criação teatral.

Como você me quer
De 3 a 13/4, quinta a sábado, às 21h e domingo, às 19h.
R$ 20 e meia-entraga

Cada um a seu modo
De 17 a 27/4, quinta a sábado, às 21h e domingo, às 19h.
R$ 20 e meia-entrada

Teatro Sérgio Cardoso
Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista. Tel: (11) 3288-0136 - São Paulo.

Pirandello

Um renovador do teatro. Conhecido pelo seu profundo sentido de humor e uma originalidade impar, é dessa forma que Luigi Pirandello, natural de Agrigento, na Sicília, é mais conhecido mundialmente. Mas a sua obra não se restringe à dramaturgia. Foi, também, um grande poeta e romancista. Premio Nobel de Literatura de 1934, Pirandello, que morreu logo depois, em 1936, em Roma, sempre defendeu a idéia de que o cômico nasce de uma percepção do contrário. Porém, essa percepção pode se transformar em um sentimento do contrário: é quando aquele que ri procura entender as razões da piada, deixando de existir o distanciamento. Para ele, é preciso separar o cômico do humorístico.Ou seja,  para passar da atitude cômica para a humorística é necessário abdicar do distanciamento e da superioridade.

Estudou Filologia em Roma, Pirandello escreveu diversos romances que foram compilados sob o título de Novelle per un anno (15 vols., 1922-37). Dos seus seis romances, os mais conhecidos são Il fu Mattia Pascal (1904), I vecchi e i giovani (1913), Si gira (1916), e Uno, nessuno e centomila (1926).

Mas é no teatro que Pirandello detém uma vasta obra. Escreveu grande  número de dramas que foram publicados, entre 1918 e 1935,  e compilados em Maschere nude (Máscara nua). Este título é programático. Pirandello está sempre concentrado no problema da identidade. O eu existe para Pirandello apenas em relação aos outros; consiste na mudança de facetas que escondem um abismo inescrutável. Numa peça como Cosí é (se vi pare) (1918), duas pessoas detêm percepções contraditórias sobre uma terceira pessoa. A protagonista de Vestire gli ignudi (1923) tenta firmar a sua identidade ao assumir diversas identidades; gradualmente apercebe-se da sua verdadeira posição na ordem social e no fim morre «nua», sem máscara social, aos seus próprios olhos e dos amigos.

Similarmente em Enrico IV (1922) um homem supostamente louco imagina que é um imperador medieval, e a sua imaginação e a realidade são estranhamente confusas. O conflito entre ilusão e realidade é central em La vita che ti diedi (1924). A análise e dissolução de um eu unificado é levado ao extremo em Sei personaggi in cerca d'autore (1921) onde o próprio palco, o símbolo da aparência versus realidade, é o centro da peça.

As atitudes expressas em L'Umorismo (1908), uma das primeiras peças, são fundamentais em todas as peças de Pirandello.

Seis personagens à procura de autor é uma das peças mais conhecidas de Pirandello. Escrita em 1921, Seis personagens à procura de autor relata um ensaio de teatro. O ensaio é invadido por seis personagens que, rejeitadas por seu criador, tentam convencer o diretor da companhia a encenar suas vidas.

No início, o diretor fica perturbado por ter seu ensaio interrompido, mas aos poucos começa a interessar-se pela situação inusitada que se apresenta diante de seus olhos. As personagens o convidam a encenar suas vidas, mostrando que mereciam ter uma chance. Com isso, acabam convencendo-o a tornar-se autor.

As discussões entre as personagens e o diretor compõem uma análise filosófica do teatro. Assim, o peso da peça divide-se entre a narrativa em si, e os aspectos paratextuais, que ganham a cena.

Diretor e personagens discutindo constroem também uma querela de formas de fazer teatro. As personagens, tentando mostrar ao diretor que suas vidas são reais, em relação ao palco, e ele defendendo a relatividade do que está sobre o palco, toma como parâmetro a vida "real". A peça entra, assim, em um outro aspecto: torna-se um estudo metalingüístico do teatro, a arte discutindo a si mesma. A forma de representação proposta pelo diretor não é aceita pelas personagens. Não querem ser representadas pelos atores da companhia. Afinal, como alguém poderia representar melhor a vida de uma personagem do que ela própria? (PirandelloWeb)