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Italiano, eu?

Por Benilson Toniolo*

Por que nós, filhos, netos e bisnetos de italianos, temos tanto orgulho de nossas raízes?

Por que nos orgulhamos tanto de nossos antepassados, que chegaram ao Brasil “com uma mão na frente e outra atrás”, muitas vezes arrastando uma penca de filhos, faltando dentes na boca, semi alfabetizados, sem ter a mínima idéia do que veriam aqui, acreditando apenas no que diziam os que chegaram antes?

Por que se orgulhar de um bando de ignorantes que acreditou nas promessas de um monarca e atravessou um oceano inteiro guiados apenas por um sonho, um ideal de liberdade que não tinha mesmo como dar certo?

Por que se orgulhar daquelas musiquinhas batidas de cantina, daquelas roupas coloridas, daquela torre inclinada que não quer dizer nada? Como um povo que elege Silvio Berlusconi e Roberto Calderoli pode proporcionar orgulho a alguém? Definitivamente nós, os descendentes de italianos, somos uma turma bem esquisita, mesmo.

Por qual motivo torcemos tanto para a Itália na Copa do Mundo, se muitas vezes nunca sequer fomos lá?

Se a maioria não conheceu seus antepassados, pois nasceram após a morte deles, por que este curioso orgulho quando alguém pronuncia –em geral de forma equivocada- nosso sobrenome e pergunta: “italiano?”

Por que hoje a morte de um velho tenor de Modena que invariavelmente cantava em napolitano –língua feita pra se ouvir com a alma, e não com os ouvidos- nos comove tanto, a ponto de lamentarmos sinceramente sua perda –nós que nem lá nascemos?

Definitivamente nós, os descendentes de italianos, somos uma turma bem esquisita, mesmo.

Acredito que o sentimento que nos acomete seja comum a cada um de nós.

Amar a Itália e tudo o que lhe diz respeito é, antes de mais nada, manter viva a luta de nossos antepassados, quando resolveram partir e vir parar aqui nestas bandas, dando origem às nossas respectivas famílias. La famiglia, cari, la famiglia.

Amar a Itália é saber valorizar sua história de lutas e conquistas.

É reconhecer sua arte como a mola propulsora do que o homem produziu de mais belo e harmônico.

É reconhecer sua língua em meio a milhares de outras.

É bordar o nome do País na camiseta, no boné, na toalha de banho, na de mesa, na camiseta, em verde, branco e vermelho (pela ordem).

É valorizar a retranca quando se sabe que o melhor é a bola na rede.

É dizer que Baggio foi melhor que Maradona e Platini, juntos.

É ter ficado com o coração dividido na final de 94, mas sem ninguém perceber. E lamentar aquele pênalti até hoje.

É assoviar distraidamente o Hino de Mameli sem saber exatamente do que se trata.

É reconhecer que óperas são coisas muito legais, mesmo.

É pesquisar na Internet a origem do sobrenome, e procurar decorar o nome da região de origem. Depois procurar no mapa onde é que fica.

É rabiscar na última folha do caderno da Escola um mapa mais ou menos parecido com uma bota, e escrever em baixo “Italia” sem acento no primeiro a.

É considerar os outros descendentes como uma espécie de confrades. Como se cada família formasse uma só, imensa e apaixonada como a própria terra onde tudo começou.

É ensinar os filhos a diferença entre Verdi e Vivaldi.

É obrigar a noiva a entrar na igreja ao som de “Cavalleria Rusticana”.

É perdoar Bocelli por ter gravado com a Sandy.

Amar a Itália é, antes de tudo, ser um pouco mais feliz do que as outras pessoas.

Pensando bem, nós somos todos um banco de pazzi, mesmo.

Apaixonadamente pazzi.

*Benilson Toniolo é poeta e escritor
benilson@hotelserradaestrela.com.br