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Cópia de polêmica obra de Da Vinci resgatada após furto misterioso

Por Átila Soares da Costa Filho

Foco de bastante atenção no mundo - tanto nos meios acadêmicos quanto no mercado de Artes - nos últimos anos, o “Salvator Mundi" mais uma vez volta às manchetes, após inusitada descoberta da Polícia italiana, a 16 de janeiro último, que encontrou outra cópia da obra-prima de Leonardo, no armário de um apartamento em Nápoles. Devolvida à instituição de onde havia sido furtada - o Museu Doma na Igreja de San Domenico Maggiore -, somente neste momento fora possível às autoridades da mesma se darem conta do roubo. Agora, as investigações recaem sobre o dono do apartamento, prontamente preso, justificando que comprara a pintura num mercado de pulgas. 

O prior do museu napolitano havia informado que, em razão da pandemia, “não tinha conhecimento do desaparecimento da pintura, já que o quarto onde ficava guardada não era aberto há três meses". Segundo o promotor de Nápoles, Giovanni Melillo, não houve nenhum grande esforço aparente para o furto, e as investigações estão apenas no início, apontando para uma ação direcionada, visando o submundo do mercado de pinturas antigas - inclusive, uma arma também estava no apartamento do suspeito envolvido. 

O comissário de Polícia Alessandro Giuliano declarou que foi "uma operação que permitiu resgatar uma importante peça do patrimônio artístico da cidade, e recordou que o patrimônio faz parte da própria identidade da cidade”. Alessandro Fabbrocini, chefe da equipe móvel da Polícia, completa: “A ação foi um esquema particularmente complexo, e é com grande satisfação que devolve à cidade de Nápoles um bem de tão grande valor”. 

Esta cópia do recordista das casas de leilão, “Salvator Mundi” de Da Vinci - arrematado por 450 milhões de dólares para o Louvre de Abu Dhabi, e atualmente em paradeiro desconhecido -, crê-se ter sido executada por um discípulo do artista, Girolamo Alibrandi (1470-1524), natural de Messina, após o ano de 1500.

O modelo estrutural da obra se mostra idêntico àquele de Leonardo, com particular similaridade no que tange às mãos do Cristo. Afinal, é mais uma peça no “quase nunca” óbvio terreno da História da Arte, a corroborar fortemente a presença de um original comum para variadas versões leonardescas estampando o mesmo “cartone” sobre a temática. E este original será a versão de Abu Dhabi - o quê, inclusive, já confirmado por uso de inteligência artificial segundo especialistas da Universidade da California, Irvine.

Trata-se da representação de um discurso corrente na iconografia cristã, desde a Idade Média (mas com raízes bem mais antigas): “Senhor dos Céus e da Terra”, onde esta cópia é sobre um original pertencente ao período mais tardio da produção artística de Da Vinci - em 1501 -, nos mostrando Cristo em plano americano. O Salvador tem a mão direita em gesto de bênção e, a outra, segurando uma órbita (aqui, uma esfera translúcida, com implicações platônicas e da cosmografia grega). A inusitada ausência de uma cruz ao topo do globo (e da opacidade deste) deve ser referência à astronomia de Aristóteles e Copérnico na concepção das “Esferas Celestiais”, estruturas por onde os astros se distribuíam. 

A respeito da autenticidade do “Salvator” de Da Vinci, convida-se para uma leitura de meu estudo já publicado no site: https://www.oriundi.net/a-catequese-da-ciencia

Átila Soares da Costa Filho é designer e pós-graduado em Filosofia, Sociologia, História, História da Arte e Antropologia. Também é autor de “A Jovem Mona Lisa” (Ed.Multifoco, 2013), “Leonardo e o Sudário” (Ed,Multifoco, 2016), e co-autor de “Leonardo da Vinci's Mona Lisa: New Perspectives” (Fielding Graduate University Press, Santa Barbara - California, 2016).

Página do autor: http://professoratilasoares.weebly.com