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Cidadania Italiana Rápida: O Golpe da Diffida

Como milhares de famílias de cidadãos ítalo-brasileiros foram e continuam sendo lesadas diariamente nas redes sociais.

O enorme número de brasileiros ítalo-descendentes interessados no reconhecimento de sua Cidadania Italiana e a crescente busca dessas pessoas por atendimento nos Consulados Italianos no Brasil, reconhecidamente sem estrutura física e de pessoal suficiente para suprir essa demanda imensa, tem levado essas famílias a esperarem por anos em filas, sem a menor perspectiva de um atendimento rápido e digno. A consequência natural em casos como esses é a busca, por parte desses cidadãos, por alternativas que diminuam esse tempo de espera.

Esse, infelizmente, tem sido um terreno fértil onde pessoas sem escrúpulos, aproveitando-se da dificuldade imposta pelo Governo Italiano, têm criado “dificuldades” para venderem "facilidades", na maioria das vezes absolutamente ilegais e imorais. Aproveitando-se do baixo nível de conhecimento médio dos brasileiros sobre seus direitos e a legislação italiana, grupos formados por pessoas inescrupulosas têm utilizado as redes sociais, especificamente grupos de Facebook e de WhatsApp, para propor e oferecer todo tipo de conduta ilegal a brasileiros que têm necessidade ou desejo de um caminho mais rápido para o reconhecimento de sua Cidadania Italiana iure sanguinis.

Além das milhares de pessoas que tiveram a prática de cidadania italiana iure sanguinis cancelada na Itália, por envolvimento com fraude, falsificação de documentos e falsa residência (a face mais visível e divulgada pelos meios de comunicação sobre o crime organizado no universo da cidadania italiana), recentemente milhares de brasileiros foram vítimas de um golpe mais sutil e sofisticado, conhecido como o GOLPE DA DIFFIDA.

A Diffida é o mesmo que uma notificação extrajudicial, que no caso em questão foi vendida a incautos, como uma ferramenta que seria utilizada para "obrigar" os Consulados da Itália a convocar pessoas que já estavam na fila de espera desses órgãos há mais de 730 dias, prazo definido por lei para a conclusão do processo de reconhecimento de cidadania, após o mesmo ser deflagrado.

A mecânica do golpe era sutil e muito bem maquinada: uma pessoa entrava em um grupo de Facebook ou de WhatsApp, que reúne milhares de pessoas interessadas pelo tema, e criava um post comentando que havia conseguido acelerar seu lugar na fila de espera do Consulado da Itália e obtido o reconhecimento através de uma "suposta" Diffida. Imediatamente, centenas de pessoas apareciam no tópico postado perguntando detalhes e pedindo o nome do famoso advogado italiano que havia feito a tal “vitoriosa” Diffida. Em seguida, vinha a indicação do "brilhante" profissional que havia conseguido o suposto "milagre".

Em termos comerciais, podemos dizer que o "esquema" foi um sucesso: somente junto ao Consulado da Itália de São Paulo foram depositados cerca de 2.500 (duas mil e quinhentas) Diffida, vendidas a um valor estimado de 500 euros cada uma, o que em uma conta rápida nos leva à bagatela de 1,25 milhão de euros.

Tal procedimento partiu de uma premissa falsa: em primeiro lugar, e é fundamental salientar isso, estar na fila de espera de um Consulado é tão somente ter uma senha de atendimento, com uma expectativa de um dia vir a ser atendido. Não há processo administrativo deflagrado, não há sequer um número de processo ou qualquer outro documento probatório de que aquela pessoa está com um procedimento de reconhecimento de cidadania em andamento. O prazo legal de 730 dias previsto em lei só passa a ser contado após a deflagração do processo e o efetivo depósito dos documentos com o respectivo recolhimento da taxa consular.

Além disso, convém salientar o raciocínio moralmente duvidoso (na melhor das hipóteses) dos que ofereceram esse serviço de pagar para avançar em uma fila de espera, passando por cima do direito de centenas de milhares de pessoas, em um flagrante desrespeito aos direitos dos demais requerentes. Chega a ser de "cair o queixo" que pessoas que lutam por reconhecer sua cidadania, possam ter uma atitude tão anti-cidadã quanto furar uma fila. Um óbvio contrassenso, que estava fadado ao fracasso desde o início, por uma simples questão de lógica.

Por último, podemos considerar que se tratou, no meu entendimento subjetivo, de estelionato puro e simples, ao vender o que se convenciona chamar de "lote na lua". O grande problema de todo esse imbróglio é que faltou combinar com o Governo Italiano. De fato, ao que parece, embora não se conheça uma só pessoa não envolvida na venda que declare ter obtido seu reconhecimento dessa forma, é possível que alguns poucos casos, no início, tenham sido aceitos, em virtude dos próprios Consulados não terem o hábito de lidar com esse tipo de demanda.

No entanto, quando tais pedidos chegaram rapidamente a uma escala de milhares, os Consulados, através do DGIT (Direzione Generale per gli Italiani all'Estero e Politiche Migratorie), percebendo ali um novo "business" dos comerciantes (coyotes) da Cidadania Italiana, no início de junho de 2018 fizeram uma consulta formal à Avvocatura dello Stato. O parecer veio rápido e não deixando margem a nenhuma dúvida: A Avvocatura dello Stato recomendou não aceitar absolutamente nenhuma DIFFIDA, sob o argumento de que tal demora não é culpa da Administração Pública, mas sim do imenso volume de trabalho acumulado.

Independente disso, mesmo após esse parecer, a Diffida continuou e continua inacreditavelmente sendo oferecida dentro de grupos de Facebook e de WhatsApp. Onde havia suspeita de comportamento doloso (ao oferecerem algo impossível de se obter), passou-se a ter certeza do comportamento criminoso de quem vende esse serviço, uma vez que já existe uma norma clara e definida de recusar toda e qualquer Diffida que questione os 730 dias de fila nos Consulados Italianos. Até o momento, 2.500 Diffida já foram negadas!  

Prints recentes em páginas de grupos de ajuda no Facebook comprovam que os criminosos continuam atuando e vendendo o serviço livremente, com a omissão criminosa (na melhor das hipóteses) ou co-participação dos administradores desses grupos de Facebook e de WhatsApp.

Para agravar e piorar a situação, os mesmos idealizadores do Golpe da Diffida, com o surgimento das negativas dos Consulados, não satisfeitos em terem lesado milhares de brasileiros, decidiram tomar dos cidadãos mais dinheiro ainda, oferecendo a fase dois do golpe: a contratação de advogados brasileiros e italianos para utilizarem o pedido negado como prova em um recurso administrativo no Tribunal TAR (Tribunal Administrativo) de Roma a um valor médio unitário de 1.500 euros. Todos os recursos foram negados na Itália

Convém alertar que já existe jurisprudência pacificada de que o Tribunal TAR não é o foro adequado para discussão de Cidadania Italiana. Ou seja, mais uma vez trata-se de "vender lote na Lua" a desavisados e pessoas que queriam realizar esse sonho ou iniciar uma nova vida na Itália ou na Europa. No total, a segunda fase movimentou mais 3,75 milhões de euros, totalizando 5 milhões de euros, ou seja, aproximadamente 25 milhões de reais. O mais triste, é ver que as vítimas, em sua esmagadora maioria, são pessoas simples, de poucas posses.

A consequência de todas essas ações, associadas à já célebre atuação da Máfia da Cidadania Italiana em falsificação de documentos públicos, fraude, corrupção ativa e passiva, falsa residência, evasão de divisas e sonegação fiscal, entre outros crimes, é a crescente desconfiança das autoridades italianas para com os cidadãos ítalo-brasileiros, cuja maior prova é o recente bloqueio de toda a Província de Como na concessão de residência a brasileiros que estejam requerendo o reconhecimento de cidadania.

O comportamento criminoso dos delinquentes que exploram a boa fé de brasileiros que têm o sonho de serem reconhecidos italianos tem gerado e gerará cada vez mais, como reação do Governo Italiano, a tomada de medidas que cerceiam, dificultam e retardam o reconhecimento desse direito, a ponto de colocá-lo de fato sob risco de limitação severa ou mesmo supressão em um futuro, a continuar o andamento dos fatos e a ação livre dos criminosos.

VEJA AQUI as decisões do Tribunal TAR de Roma negando a DIFFIDA

SENTENZA - Pubblicato il 30/01/2019

SENTENZA - Pubblicato il 18/03/2019

Cabe ao cidadão ítalo-brasileiro, organizar-se e pressionar as autoridades italianas para ampliarem o atendimento nos consulados ou buscar nos tribunais o reconhecimento de seu direito. Buscar meios ilegais e abastecer o crime só coloca em risco o próprio direito bem como o dos demais. Proceder dentro da lei é o mínimo que se espera de qualquer pessoa que deseja ser reconhecida como cidadão, em qualquer lugar do mundo civilizado.

Luiz Gustavo Scarpelli dos Santos Reis, advogado e cidadão ítalo-brasileiro com atuação em cittadinanza italiana per i cittadini di ceppo italiano nati a l’estero (Brasile, Argentina e Stati Uniti) e legge sull’imigrazzione. Inscrito no Brasil, nos Conselhos da Ordem dos Advogados de MG, SP, RJ, ES e GO. Membro e jurista do IAMG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Brasil. Na Europa é Membro do Council of Bars and Law Societies of Europe. Na Itália é avvocato stabilito iscritto nell’Albo della Ordine Degli Avvocati di Roma. Em Portugal é advogado inscrito no Conselho de Lisboa da Ordem dos Advogados Portugueses. Idealizador da “Corrente do Bem” que combate a pirataria e as máfias que atuam na ilegalidade no mundo da cidadania italiana, no Brasil e na Itália.

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