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Pacote de 4000 euros para obter a cidadania

Foram presos dois funcionários públicos do comune de Crescentino, um homem e uma mulher, um dos quais trabalhava no cartório e era também oficial do estado civil do município, que em diversas ocasiões receberam propina para realizar práticas de cidadania italiana “iure sanguinis”. Crescentino faz parte da província de Vercelli, na região do Piemonte, e possui 7.573 habitantes. A operação policial foi realizada nesta quarta-feira (14).

Junto com eles foram presos os dois corruptores, que haviam organizado a rodada de cidadanias, a saber, R.B., de vinte e dois anos, e sua mãe, S.F., quarenta e um, ambos brasileiros, residentes em Verona. 

No esquema, não estavam incluídas apenas as práticas de cidadania, mas também a hospedagem, em Crescentino e em outras cidades, pelas quais eram pagos “in nero”.  Além disso, outros 74 brasileiros foram encaminhados ao Poder Judiciário local, acusados por crime de falsidade ideológica em escritura pública, por terem atestado falsamente a sua residência no município de Crescentino.

O fato que chamou a atenção das autoridades foi a chegada de muitos cidadãos brasileiros para um “tour” que teria rendido pelo menos 600 mil euros. Os contornos da operação foram explicados pelo procurador-adjunto de Vercelli, Davide Pretti, que coordenou a investigação.

O início da operação

Tudo começou em abril passado, quando a Esquadra Móvel deu início a uma série de investigações para verificar a regularidade do processo administrativo visando a obtenção da cidadania italiana "iure sanguinis", por parte de alguns cidadãos brasileiros, que documentaram serem descendentes de emigrantes italianos. Todos, estranhamente, domiciliados na área de Vercelli, pelo tempo estritamente necessário para cumprir os trâmites de cidadania.

As investigações também foram desencadeadas pela análise das inúmeras comunicações recebidas pela Delegacia de Imigração da Delegacia de Vercelli sobre a presença de brasileiros no município de Crescentino. Em particular, os relatórios chamaram a atenção para, pelo menos,  150 cidadãos brasileiros, um número surpreendente se você considerar que a população residente em Crescentino é pouco menos de 8.000 habitantes.

Os primeiros achados da atividade policial possibilitaram a identificação de uma agência de intermediação, com sede em Verona, chefiada por dois cidadãos brasileiros, mãe e filho, dedicada a prestar a outros brasileiros um pacote de serviços para iniciar as práticas para obter a cidadania.

Este pacote incluiu também alojamento, busca da documentação necessária à obtenção da cidadania "iure sanguinis", bem como todas as formas de assistência na zona de Vercelli, e especialmente no município de Crescentino, até que o objetivo definido seja alcançado. O custo deste pacote foi de 4.000 euros por pessoa.

Dentre os diversos imóveis alugados na área de Crescentino para acomodação de cidadãos brasileiros, surgiu um de propriedade de funcionário do cartório e oficial do estado civil do mesmo município. Esta pessoa se encarregava de examinar os pedidos de residência e de proceder à sua fiscalização, indício que suscitou suspeitas, nos policiais.

A mesma pessoa também tinha a disponibilidade de outro alojamento localizado no município de Robella d’Asti; essas acomodações haviam sido habitadas, formalmente, por cerca de dois anos, por quatro cidadãos brasileiros que haviam firmado contratos de empréstimo gratuito com o funcionário público.

As investigações revelaram então que, no mesmo período, pelo menos 30 cidadãos brasileiros residiam no alojamento. Para cada um deles, verificou-se que, na realidade, o funcionário público recebia uma renda , paga pela agência empresarial veneziana, de 700 euros mensais. Assim, surgiu a provável existência de um sistema corruptor em que os dois proprietários da empresa, mãe e filho brasileiros, procurassem seus compatriotas interessados na cidadania italiana, com a garantia de que, mediante o pagamento de uma remuneração ilegal ao funcionário público, teriam a cidadania, mesmo na ausência dos requisitos estabelecidos por lei e em muito pouco tempo.

Verificou-se, então, que o funcionário público, além do aluguel irregular dos imóveis, também havia recebido inúmeros subornos para a emissão dos documentos oficiais, ora chamados de “presente” e ora de “prêmio”, circunstância documentada graças às microcâmeras instaladas pelos investigadores da Equipe Móvel dentro da prefeitura de Crescentino.

Com o prosseguimento das investigações, a Delegacia de Polícia de Vercelli e o Ministério Público apuraram que “os corruptores tiveram plena disponibilidade dos escritórios do município de Crescentino, dentro dos quais passaram longos períodos, movendo-se como se fossem seus escritórios e utilizando os bens da administração pública como se fossem de sua propriedade. Além disso, emergiu a plena participação na associação criminosa do outro funcionário público ao serviço do registro civil e oficial do estado civil do município de Crescentino; algumas entregas de "subornos" também foram documentadas contra ele".

Redes sociais

As investigações falam de "escravização total dos dois funcionários públicos aos interesses da associação criminosa", também documentada por algumas fotografias publicadas em perfis de redes sociais, utilizadas pelos proprietários da agência empresarial para divulgar o trabalho de intermediação para a obtenção da cidadania. 

através dos quais o trabalho de intermediação realizado sob investigação em favor de seus compatriotas para obter a cidadania. Algumas fotografias retratam os funcionários públicos, no interior da sede municipal, na área não reservada ao público, juntamente com os corruptores e pessoas que se revelaram clientes da associação e que, portanto, se beneficiaram do serviço prestado com a obtenção da cidadania italiana. Basicamente, “os dois funcionários públicos estavam essencialmente na 'folha de pagamento' da organização criminosa”.

Nesse sentido, durante as investigações, foi possível documentar algumas entregas de propina aos dois funcionários públicos. O produto econômico decorrente da atividade criminosa foi estimado em pelo menos 600.000 euros.

Constatou-se que também fazia parte desse tipo de organização um homem de origem brasileira, que tinha a tarefa de dar apoio logístico aos seus compatriotas nas casas da região de Vercelli, e uma mulher, namorada do dono da agência empresarial, que teve a tarefa de zelar pelas práticas destinadas a recolher a documentação necessária.

A atividade da associação evoluiu para uma série de certidões falsas de certificados de residência de cidadãos brasileiros, desprovidos do elemento subjetivo da vontade de se instalar em determinado local. Os brasileiros, de fato, permaneceram em Crescentino, apenas pelo tempo estritamente necessário para obter a cidadania italiana e depois se estabelecer em outras áreas do território italiano, em outros países da União Europeia ou, às vezes, retornar à sua terra natal.

A associação criminosa implantou um sistema definido como "testado e comprovado" que, em algumas ocasiões, obrigou alguns clientes brasileiros a entregar seus passaportes sob a ameaça de não devolvê-los caso não adotassem um comportamento mais respeitoso da vizinhança que havia reclamado da perturbação do silêncio à noite. Durante as investigações, também foi apurado que "um dos dois funcionários públicos detidos havia entrado, inclusive, no escritório do município de Crescentino, no meio da noite, para tratar de práticas privadas de clientes da associação".

Depois de ter adquirido todos estes indícios de crime, numa complexa e prolongada atividade investigativa, levada a cabo pela Esquadra Móvel , o G.I.P., no Tribunal de Vercelli, a pedido do Ministério Público local, expediu medida cautelar contra os quatro sujeitos protagonistas da associação, os quais foram submetidos à prisão domiciliar, com aplicação da pulseira eletrônica .

Outras investigações estão em andamento para verificar qualquer outra conduta criminosa adotada por Funcionários Públicos e outros "satélites" da associação. (TgVercelli)