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Umberto Eco divulga livro na Alemanha

Por Simone de Mello
 
Umberto Eco viaja pela Alemanha para lançar seu último romance e fala a intelectuais e jornalistas sobre seu método de pesquisa literária, a Itália de Berlusconi e sua mania de colecionar coisas e informações.

A Alemanha não tem um intelectual comparável a Umberto Eco. Um pensador acadêmico de saber enciclopédico, com interesses teóricos e prática literária, um colunista com opiniões políticas de peso e um romancista autor de best-sellers: tudo isso reunido numa única pessoa. Uma mistura inédita — conforme assinalaram os jornalistas e críticos alemães participantes de uma conversa com Eco na Casa das Culturas do Mundo, em Berlim —: alguém capaz de atingir elites e massas.

"A culpa é dos italianos, não de Berlusconi"

Não é à toa que, durante a atual viagem de lançamento pela Alemanha, Eco seja abordado como autoridade para tudo. "Você demora anos para escrever um romance e as pessoas vêm perguntar o que você acha do Berlusconi", admira-se Eco do interesse prioritário da opinião pública alemã, sem esconder uma ponta de decepção. Após diversas saídas pela tangente, Eco se propõe a dar uma explicação menos irônica ao fenômeno Berlusconi.

Para ele, Berlusconi simplesmente preenche uma lacuna gerada após o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim. Depois que os norte-americanos perderam o interesse em apoiar a democracia cristã como arma contra o comunismo, teria surgido na Itália um vácuo político do qual Berlusconi fez seu nicho. Vendo as coisas retrospectivamente, Eco aponta a ironia: pensavam que a democracia cristã servia para proteger a Itália do comunismo, mas a verdade é que ela resguardou o país do fascismo.

Obra aberta, escritor ausente
 
Assim como a mistura de papéis incorporados pelo intelectual Eco é o que mais atrai os alemães em sua personalidade, é a mistura de gêneros e repertórios em suas obras o que mais fascina leitores no país. Em seu mais recente romance, A Misteriosa Chama da Rainha Joana, o autor de best-sellers como O Nome da Rosa e o Pêndulo de Foucault imerge no cenário da sua infância, a Itália dos anos 30 e 40, através da personagem de um colecionador de antigüidades que perde parte da memória e sai em busca de suas lembranças pessoais.

No casarão de sua infância, reencontra livros e imagens, histórias em quadrinhos e filmes de cinema, embalagens de chocolate e maços de cigarro, tecendo sua biografia entre o ambiente ditatorial de uma tradição européia católica e a liberação da cultura pop norte-americana, gerando um espaço mnemônico anárquico onde Dom Bosco dialoga com Flash Gordon.

Apesar do evidente caráter autobiográfico do romance, Eco insiste em defender seu teor meramente literário, assinalando que o livro é a biografia de uma geração. Eco se lembra que — durante as viagens de leitura com seu tradutor alemão, Burkhart Kroeber — costumava fazer um ranking das perguntas mais parvas. Uma delas seria "com qual figura (personagem) o senhor mais se identifica?", a que Eco costumaria dar uma resposta "nada parva": "Aquilo com que mais me identifico são os advérbios".

Divertido museu dos mitos triviais

Eco admite pelo menos uma certa identificação com o protagonista de seu novo romance, Giambattista Boldoni, um colecionador inveterado. Todas as fontes iconográficas deste "romance ilustrado" fazem parte das coleções infantis de Eco, que confessa guardar até hoje todos seus cadernos de escola. Tudo o que ele possa ter perdido em mudanças tenta e geralmente consegue resgatar em feiras de antigüidades ou sebos. A internet também é um importante instrumento de pesquisa do romancista e semiólogo. Foi online que Eco encontrou, por exemplo, uma coleção filatélica que recordava de sua infância.

O caráter híbrido da literatura de Umberto Eco é o que a crítica alemã destacou em seu novo romance. Mais uma colagem de referências (Süddeutsche Zeitung), uma sutil filologia da literatura trivial (tageszeitung), uma história contada com o estômago estável de alguém que devora tudo (Frankfurter Allgemeine Zeitung) o divertido museu dos mitos triviais (Neue Züricher Zeitung): estas são algumas etiquetas à última obra ficcional de Eco.

Uma das lembranças mais marcantes que Eco, casado com uma alemã, tem da Alemanha foi o réveillon de 1968, passado no Muro de Berlim, "um dos lugares mais desolados do mundo". O que o incomoda em suas rápidas viagens de leitura pelo país é a falta de tempo para ver de perto todas as mudanças ocorridas na capital alemã nos últimos anos. Após sua passagem por Berlim, Colônia e Munique, Eco segue para Viena.