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Razões para o cancelamento da Cidadania italiana

Recentemente, os meios de comunicação divulgaram um triste episódio ocorrido na cidade de Ospedaletto Lodigiano, na Itália, que envolve, por diferentes motivos, por um lado a Administração Pública italiana e, por outro, os brasileiros descendentes de italianos que obtiveram o reconhecimento da cidadania italiana diretamente na Itália, sem passar pelo consulado italiano no Brasil. 

Na relação entre o Estado e os brasileiros descendentes de italianos emergem posições diferentes que, vistas de uma primeira perspectiva, podem parecer contrapostas, mas que na realidade são concordantes. Exatamente concordantes pelo fato de a Administração Pública italiana não ser indiferente às problemáticas daqueles brasileiros que buscam o reconhecimento da cidadania italiana, por descendência de antepassados italianos emigrantes. 

Esta realidade é claramente demonstrada pela legislação, atualmente em vigor, inspirada, ao bem ver, segundo o favor legis, em relação aos brasileiros descendentes de italianos. Neste sentido, é importante esclarecer alguns pontos da legislação italiana que confirmam esta afirmação.  

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Primeiramente, vale ressaltar que os brasileiros descendentes de italianos podem ingressar na Itália sem excessiva formalidade e permanecer no país por até um ano, com base num visto especifico expedido pela Polícia italiana para aqueles que providenciam, de forma fundamentada, a entrada no reconhecimento da cidadania italiana

Isto significa que, ao contrário de cidadãos de outras nacionalidades, os brasileiros que descendem de emigrantes italianos gozam de uma proteção e segurança jurídica tão significativa que podem permanecer no território italiano e no território europeu por até um ano, exclusivamente pelo fato de terem dado entrada no reconhecimento da cidadania italiana. 

Este aspecto é muito importante porque evidencia o quanto é legítima a iniciativa daqueles que decidem apresentar o pedido de cidadania italiana diretamente na Itália e, do mesmo modo, atesta claramente como os descendentes de italianos são tratados de forma diferenciada e favorável, em comparação a cidadãos de outros Países que, na falta de visto específico, não podem permanecer na Itália por mais de 90 dias. 

Assim sendo, não acho viável e nem verdadeiro polemizar com o legislador italiano e com os seus representantes consulares, afirmando que os descendentes de emigrantes italianos são considerados cidadãos de nível inferior, em relação aos italianos nascidos na Itália. 

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Entretanto, é inaceitável supor que o processo de reconhecimento da cidadania italiana não siga rígidas regras legais que deverão ser respeitadas e fiscalizadas, caso a caso, pelas autoridades italianas, podendo, em decorrência de algum descumprimento, resultar no seu cancelamento.

Uma das regras fundamentais para que os brasileiros descendentes de italianos deem entrada ao processo de reconhecimento da cidadania italiana diretamente na Itália, obtendo um resultado satisfatório, é o respeito ao princípio da “residência” na Itália. Trata-se de um princípio que fundamenta muitos aspectos da legislação italiana e do direito internacional privado. 

Mas o que é a residência? E como se faz para respeitar este princípio? 

Lendo o código civil italiano, atenta-se para o fato que residência é considerada o lugar onde o indivíduo se encontra de forma estável e continuativa. É claro que não há uma definição exaustiva a este respeito, se não for contrastado a este tópico outro princípio fundamental do Direito italiano, relativo ao conceito de “domicílio”. 

Por “domicilio” entende-se o lugar onde o morador detém ou exerce, mesmo que temporariamente, algum interesse legítimo, independente de qual seja. Portanto, por “residência” compreende-se algo estável, enquanto por “domicilio” algo temporário; esta é a diferença fundamental entre os dois princípios. 

Logo, os brasileiros descendentes de italianos podem dar entrada na cidadania italiana direto na Itália? É nesta hora que se faz necessário recorrer aos princípios gerais do Direito, ou seja, ao princípio de razoabilidade e best practice como standard global do Direito

Certamente, estes princípios jurídicos foram totalmente desconsiderados por aqueles que deram entrada ao processo, em Ospedaletto Lodigiano, que culminou no cancelamento do reconhecimento da cidadania italiana. Ou melhor, pelos brasileiros que, consciente ou inconscientemente, acreditaram que era suficiente contratar uma agência de despachantes ou de intermediários para que, sem rígidas formalidades legais, fosse reconhecida a cidadania italiana e européia, com o conseguinte direito de circular e de se estabelecer livremente no território da Europa. 

É importante ressaltar que, como dito, a legislação italiana é favorável ao descendente de emigrantes italianos, mas estabelece regras a serem cumpridas, tanto pelos interessados quanto pelos operadores do Direito. 

Como é possível, de forma lógica e razoável, assegurar que um indivíduo cumpra o requisito da mencionada “residência”, permanecendo, independentemente do tempo, num imóvel sem mobília e sem cozinha, e também sem ter estipulado um regular contrato de aluguel

Li em algumas entrevistas de despachantes brasileiros, concedidas a jornais e revistas impressas e digitais, que na Itália é comum alugar um imóvel sem contrato. 

Isso não é verdadeiro, pois há uma legislação própria a esse respeito que prevê a assinatura de contratos de aluguel por breve período. É evidente que, neste caso, será necessário recolher os impostos, além do valor do aluguel, pois, caso contrário, se tipifica o crime de evasão fiscal ou de divisas, que inclusive foi um dos crimes imputados aos envolvidos no caso de Ospedaletto Lodigiano, na Itália

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Nesta linha, é importante frisar outro aspecto legislativo que pode determinar o cancelamento da cidadania italiana. 

Trata-se da obrigatoriedade legal, imposta a todas as Prefeituras da Itália, de uma legislação municipal que defina, rigorosamente, o número exato máximo de moradores por unidades imobiliárias, com base no tamanho, na localização e na divisão dos cômodos. 

Ou seja, se tenho um apartamento com um quarto e sala, um banheiro e uma copa de cozinha (no Brasil, o imóvel seria um quitinete), a lei municipal italiana presume que possam morar ali de duas a três pessoas, no máximo, e certamente não 10 pessoas ou mais. 

Este foi também um aspecto contestado no caso de Ospedaletto Lodigiano e que ocasionou o cancelamento da cidadania italiana na Itália, junto à previsão do crime de imigração clandestina, pois se tratavam de cidadãos, até então, extracomunitários (pois ainda sem cidadania italiana) que, em alguns casos, ingressaram no espaço Schengen da Europa sem a regular comprovação de entrada. 

As exigências legais que não foram respeitadas, no caso de Ospedaletto Lodigiano, são múltiplas e fortemente impactantes. 

Todavia, o que aconteceu em Ospedaletto Lodigiano, assim como em outros casos similares, não significa, de forma alguma, que os brasileiros descendentes de italianos não possam solicitar a cidadania italiana diretamente na Itália

Esta prerrogativa é legítima e favoravelmente prevista pela lei italiana, mas sempre respeitando os princípios fundamentais do Direito, em concordância com a legislação específica administrativa e municipal. 

Aqui na Bella Lex respeitamos estes princípios, pois é o nosso prestigio e a nossa reputação conquistada, com muitos anos de atividade, desde 1969, que está em jogo. 

Em síntese, não confiem em despachantes e intermediários para o reconhecimento da cidadania italiana por via administrativa, tanto no Brasil quanto na Itália, visto que é necessário e compensador, em termos jurídicos e financeiros, o acompanhamento de um profissional habilitado que conheça a complexa legislação administrativa italiana. 

Nunca esqueçam que o reconhecimento da cidadania italiana é sempre um processo jurídico minucioso e que, em caso de irregularidades, poderá sempre ser cancelado.

Dr. Gianluca Maria Bella

Doutor em Direito Comparado da Economia, pela Faculdade de Direito da Università degli Studi del Molise. Especialista em Direito Administrativo e Ciência da Administração pela Faculdade de Direito da Università degli Studi di Napoli Federico II. 

Advogado, desde 2001, é referência no atendimento a clientes estrangeiros, nas relações com a Itália e o Brasil. 

Diretor da Bella Lex – Studi Legali | Consultoria em Direito Estrangeiro

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